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Doutora em Ergonomia, Médica Resumo
do Trabalho, Professora do Progra-
ma de Pós-Graduação em Saúde Neste artigo apresenta-se um modelo de abordagem da saúde no trabalho. Tal
Pública da Faculdade de Medicina modelo considera a atividade para obter elementos explicativos do perfil de
da Universidade Federal de Minas morbidade auto-referida e gerar propostas de intervenção na organização do
Gerais. Pesquisadora do CNPq.
trabalho no setor de teleatendimento. Realizou-se um estudo ergonômico em
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Mestre em Saúde Pública pelo uma grande empresa de telefonia e telemarketing; foram acompanhadas ne-
Programa de Pós-Graduação em gociações entre trabalhadores e empregadores e intervenções do Ministério
Saúde Pública da Faculdade de Me-
Público do Trabalho no quadro de um Procedimento Prévio Investigatório, o
dicina da Universidade Federal de
Minas Gerais, Médico do Trabalho,
qual motivou o estudo ergonômico. Os resultados evidenciaram as exigências
Auditor Fiscal do Ministério do das tarefas provocadas pelos métodos de gestão e a associação dos seus efeitos
Trabalho e Emprego. com sintomas mórbidos, conforme descreve a literatura consultada. Os repre-
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Mestre em Saúde Pública pelo
sentantes das empresas nas audiências públicas resistiram em reconhecer o
Programa de Pós-Graduação em caráter patogênico de suas organizações. A estratégia de buscar a ação interse-
Saúde Pública da Faculdade de torial mostrou-se profícua, permitindo viabilizar a elaboração de instrumentos
Medicina da Universidade Federal práticos, como divulgação de resultados científicos e elaboração de notas téc-
de Minas Gerais, Médica do Traba- nicas, com elevada potencialidade para transformar a realidade sanitária dos
lho, Analista Pericial do Ministério teleatendentes.
Público do Trabalho, 3ª região.
Palavras-chaves: saúde do trabalhador, central de atendimento, teleatenden-
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Mestre em Ciências Políticas pelo
tes, intersetorialidade, ergonomia.
Programa de Pós-Graduação em
Ciências Políticas da Faculdade
de Filosofia e Ciências Sociais da Abstract
Universidade Federal de Minas
Gerais, Advogada, Procuradora do
This article presents a model of studying workers’ health that takes into account
Ministério Público do Trabalho, 3ª
região.
the real activity of workers in order to gather elements to clarify and explain self-
reported work-related morbidity among telemarketing operators and propose
intervention in the work organization in the telemarketing sector. A thorough
ergonomic project conducted in a big telephone and telemarketing company
was followed by negotiations between workers and employers and interventions
by the Public Attorneys of Work, which resulted in a preliminary ergonomics
investigation. The results evidenced that, due to the management model used,
the task demands were associated with the health effects, as described in the
literature. At the public audiences employers’ representatives refused to recog-
nize the pathogenic characteristic of their company practices. The strategy to
search action among intersectorial partners proved to be successful, favoring
the production of practical instruments, as the publication of scientific results
and preparation of a draft on a good practice recommendation endorsed by the
Brazilian government specifically for the telemarketing sector, that aimed at im-
proving and changing the telemarketing operators’ occupational health reality.
Keywords: occupational health, call-centers, telemarketing, ergonomics, inter-
sectorial intervention.
Nos últimos anos, a atividade de telea- Estima-se que 860 mil pessoas traba-
tendimento é desenvolvida nos call centers lhem nos centros de atendimento do Reino
ou centros de atendimento (CA), ambientes Unido (UNISON, 2005) e outras 45 mil, na
de trabalho nos quais a principal atividade Espanha (UGT, 2005). A Índia emprega es-
é conduzida via telefone, utilizando-se, si- timados 813.500 trabalhadores, à medida
multaneamente, terminais de computador. que avanços tecnológicos têm permitido a
Logo, o operador ou teleatendente é o aten- mobilização de centros de atendimento das
dente de chamadas que utiliza seu tempo empresas globais para países com menores
de trabalho respondendo a chamadas tele- custos operacionais (UNI-ASIA & PACIFIC,
fônicas, operando, simultaneamente, ter- 2004).
minais de computadores (HSE, 2005). Os dados brasileiros, apesar de contro-
O referido setor econômico organizou versos e escassos, não diferem quanto à
constatação de forte expansão e de impor-
estruturas de atendimento ao público ba-
tância econômica. No Brasil, registram-se
seadas na interface telefônico-informática
600 mil empregos diretos em 2005, com
(telemática) em todo o mundo, tornando-se
crescimento de 235% nos últimos três
a principal forma de contato para negócios
anos, sendo o setor o maior empregador na
entre a grande maioria das empresas priva-
área de serviços6.
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www.abt.org.br das e públicas e seus clientes e/ou usuários.
O crescimento recente do teleatendimento, Em 1997, criou-se, no Brasil, a Agência
procurando suprir o relacionamento em- Nacional de Telecomunicações (ANATEL),
presa-cliente de mecanismos ágeis, ba- órgão estatal regulador das telecomunica-
seia-se na utilização ampla e intensiva de ções, dentro do processo de privatização do
tecnologias informáticas associadas à tele- setor no Brasil, visando organizar a explo-
fonia avançada: a telemática. ração dos serviços de telefonia. O quadro
Procedimentos metodológicos
O trabalho nos setores de uma empre- informação fornecida (ASSUNÇÃO & VI-
sa de teleatendimento foi estudado sob os LELA, 2002; VILELA, 2005).
pressupostos teóricos da Escola Francesa de Foram acompanhadas as negociações
Ergonomia. Estudou-se entre os meses de entre trabalhadores e empregadores e in-
julho a dezembro de 2002 o funcionamen- tervenções do Ministério Público do Traba-
to da empresa, o quadro de funcionários lho no quadro de um Procedimento Prévio
e as principais funções desempenhadas, Investigatório, que motivou o estudo ergo-
bem como os métodos de gestão de pesso- nômico citado, analisando-se as manifes-
al. Estudaram-se documentos internos da tações dos trabalhadores por meio de seus
empresa a fim de conhecer e descrever os representantes, as exigências legais dos ór-
mecanismos de controle da qualidade e da gãos públicos e as formas de resposta das
quantidade de trabalho dos teleatendentes. empresas estudadas.
Paralelamente, observou-se a realização das As interações dos atores, suas propos-
tarefas em cada um dos cinco setores da tas, seus consensos e conflitos foram ob-
empresa. Procurou-se entender o conteúdo servados e analisados (MARINHO-SILVA,
e a natureza das ligações. Na medida do 2004; SILVA & ASSUNÇÃO, 2005). Asso-
possível, sem interferir no andamento do ciando-se esses dados à discussão de ele-
trabalho, entrevistaram-se os teleatenden- mentos teóricos, levantaram-se subsídios
tes em tempo real. As observações abertas para a discussão e reflexão sobre medidas
e as entrevistas simultâneas deram origem de proteção da saúde dos teleatendentes.
Três audiências públicas envolvendo o
à segunda fase das observações. Foi elabo-
Ministério Público do Trabalho e as em-
rado um plano de observação sistemática,
presas acionadas tiveram duração média
tendo como principal variável o tempo de de três horas cada uma. Foram gravadas
atendimento. As outras variáveis foram: integralmente, procedendo-se, a seguir, à
natureza da ligação, tipo e adequação da “desgravação” e transcrição em texto, rea-
demanda do usuário ao modelo prescrito lizando-se o estudo das manifestações dos
pelos organizadores, ao número de telas participantes, categorizadas por temas de
consultadas por atendimento e ao tipo de interesse para o estudo.
90
80
70
60
50
40
30
20
9/9/2002 10/9/2002 11/9/2002 12/9/2002 13/9/2002
Figura 1 Porcentagem de teleoperadores do setor empresarial que atingiram a meta de não deixar
o cliente esperar mais de 10 segundos e o tempo médio alcançado pelo coletivo de traba-
lhadores de acordo com o dia no mês de setembro de 2002
90 88
84
80
73
70
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52
49
50
40 41
40
30
20
10
0
Sex/06 Sab/07 Dom/08 Seg/09 Ter/10 Qua/11 Qui/12
dia da semana
Fonte: Assunção e Vilela, 2002.
Figura 2 Porcentagem de teleoperadores do 104 que atingiram a meta de não deixar o cliente esperar
mais de 10 segundos, consolidados diariamente
30 TMA (segundos)
25
20
15
10
0
jan/02 fev/02 mar/02 abr/02 mai/02 jun/02 jul/02 ago/02 set/02
mês
Fonte: Assunção e Vilela, 2002.
Figura 3 Média do TMA (em segundos) de todos os operadores do setor de auxílio à lista por mês
Discussão
Considerações finais
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