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Abordar o trabalho para compreender e

transformar as condições de adoecimento


Ada Ávila Assunção1
Airton Marinho-Silva2
na categoria dos teleatendentes no Brasil
Lailah Vasconcelos de Oliveira Vilela3
Maria Helena Guthier4
Looking at work practices to understand
and change labor conditions in call cen-
ters in Brazil

1
Doutora em Ergonomia, Médica Resumo
do Trabalho, Professora do Progra-
ma de Pós-Graduação em Saúde Neste artigo apresenta-se um modelo de abordagem da saúde no trabalho. Tal
Pública da Faculdade de Medicina modelo considera a atividade para obter elementos explicativos do perfil de
da Universidade Federal de Minas morbidade auto-referida e gerar propostas de intervenção na organização do
Gerais. Pesquisadora do CNPq.
trabalho no setor de teleatendimento. Realizou-se um estudo ergonômico em
2
Mestre em Saúde Pública pelo uma grande empresa de telefonia e telemarketing; foram acompanhadas ne-
Programa de Pós-Graduação em gociações entre trabalhadores e empregadores e intervenções do Ministério
Saúde Pública da Faculdade de Me-
Público do Trabalho no quadro de um Procedimento Prévio Investigatório, o
dicina da Universidade Federal de
Minas Gerais, Médico do Trabalho,
qual motivou o estudo ergonômico. Os resultados evidenciaram as exigências
Auditor Fiscal do Ministério do das tarefas provocadas pelos métodos de gestão e a associação dos seus efeitos
Trabalho e Emprego. com sintomas mórbidos, conforme descreve a literatura consultada. Os repre-
3
Mestre em Saúde Pública pelo
sentantes das empresas nas audiências públicas resistiram em reconhecer o
Programa de Pós-Graduação em caráter patogênico de suas organizações. A estratégia de buscar a ação interse-
Saúde Pública da Faculdade de torial mostrou-se profícua, permitindo viabilizar a elaboração de instrumentos
Medicina da Universidade Federal práticos, como divulgação de resultados científicos e elaboração de notas téc-
de Minas Gerais, Médica do Traba- nicas, com elevada potencialidade para transformar a realidade sanitária dos
lho, Analista Pericial do Ministério teleatendentes.
Público do Trabalho, 3ª região.
Palavras-chaves: saúde do trabalhador, central de atendimento, teleatenden-
4
Mestre em Ciências Políticas pelo
tes, intersetorialidade, ergonomia.
Programa de Pós-Graduação em
Ciências Políticas da Faculdade
de Filosofia e Ciências Sociais da Abstract
Universidade Federal de Minas
Gerais, Advogada, Procuradora do
This article presents a model of studying workers’ health that takes into account
Ministério Público do Trabalho, 3ª
região.
the real activity of workers in order to gather elements to clarify and explain self-
reported work-related morbidity among telemarketing operators and propose
intervention in the work organization in the telemarketing sector. A thorough
ergonomic project conducted in a big telephone and telemarketing company
was followed by negotiations between workers and employers and interventions
by the Public Attorneys of Work, which resulted in a preliminary ergonomics
investigation. The results evidenced that, due to the management model used,
the task demands were associated with the health effects, as described in the
literature. At the public audiences employers’ representatives refused to recog-
nize the pathogenic characteristic of their company practices. The strategy to
search action among intersectorial partners proved to be successful, favoring
the production of practical instruments, as the publication of scientific results
and preparation of a draft on a good practice recommendation endorsed by the
Brazilian government specifically for the telemarketing sector, that aimed at im-
proving and changing the telemarketing operators’ occupational health reality.
Keywords: occupational health, call-centers, telemarketing, ergonomics, inter-
sectorial intervention.

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Introdução

Neste artigo apresenta-se um modelo ção do perfil de morbidade e à exposição


de abordagem da saúde no trabalho. Tal a ambientes nocivos e hipersolicitação dos
modelo considera a atividade para obter corpos, a qual é determinada pela margem
elementos explicativos do perfil de mor- de regulação deixada pela organização do
bidade auto-referida e gerar propostas de trabalho.
intervenção na organização do trabalho no
setor de teleatendimento. No caso apresen- Embora a legislação de vários países,
tado, o contexto social da demanda, que inclusive a brasileira, reconheça que o tra-
uniu sindicato dos trabalhadores, Ministé- balho adoece, os fatores de risco reconhe-
rio Público do Trabalho, Ministério do Tra- cidos são objetivos e mensuráveis. Como
balho e Emprego e universidade, dirigiu a exemplo, temos o ruído e as poeiras. Da
plataforma da intervenção. Orientando-se mesma forma, os efeitos conhecidos e reco-
pelos resultados da pesquisa ergonômica, nhecidos referem-se às doenças, conforme
a qual permitiu elaborar um conjunto de elas constam na Classificação Internacio-
medidas de transformação dos fatores no- nal de Doenças, a qual reproduz o estado
civos determinados pela organização do do conhecimento em Medicina, já critica-
trabalho, principalmente os mecanismos do por Breilh (1991). O referido autor faz
rígidos de controle da atividade (ASSUN- uma crítica ao cenário em que surgiu esse
ÇÃO & VILELA, 2002; VILELA & ASSUN- tipo de classificação, a partir de interes-
ÇÃO, 2004; VILELA; 2005), as negociações ses capitalistas, em que a ênfase foi dada
sociais deram origem a uma proposta de à clínica, sem a visão integral das relações
regulamentação das condições de trabalho saúde e doença que a investigação requer
junto ao Ministério do Trabalho e Empre- nesse âmbito.
go (MARINHO-SILVA, 2004; SILVA & AS-
As queixas consideradas vagas pelas
SUNÇÃO; 2005), que será detalhada ao
abordagens tradicionais, como cansaço,
final deste artigo.
exaustão, desânimo, são pouco valoriza-
Este artigo é dividido em partes: 1) in- das. Portanto, percebe-se que existem limi-
trodução; 2) apresentação do marco teóri- tes na identificação de fatores associados
co que fundamentou o desenho do estudo, à organização do trabalho ou à natureza
seguido da descrição dos procedimentos das tarefas realizadas em situação real e
metodológicos adotados; 3) descrição dos de queixas apresentadas por trabalhadores
fatores que motivaram o estudo no setor de (ASSUNÇÃO, 2003; PITA, 2003).
teleatendimento; 4) os resultados da pes-
quisa ergonômica e da análise de audiên- Mesmo tendo em vista resultados sobre
cias públicas no quadro do Procedimento a prevalência de morbidade e sobre as exi-
Prévio Investigatório; 5) discussão dos re- gências excessivas das tarefas, restam vá-
sultados com ênfase nos fatores de adoe- rias lacunas teóricas e metodológicas quan-
cimento identificados no setor e no avan- do se busca identificar as relações entre os
ço da intersetorialidade como perspectiva dois fenômenos.
para viabilizar a transformação das situa- No entanto, a literatura, apesar de não
ções nocivas à saúde. esclarecer os modos de exposição, cita, por
A área da saúde coletiva estuda a saúde exemplo, associações entre a prevalência
das coletividades, buscando compreender de doenças psicossomáticas, transtornos
as expressões do processo saúde-doença mentais, sintomas psicoemocionais, abuso
para gerar proposições de intervenção con- de bebida alcoólica e jornadas superiores a
creta sobre a vida das pessoas. Destacando 12 horas (DEJOURS, 1994; PITA, 2003). Na
as coletividades dos trabalhadores, o cam- mesma direção, para muitas profissões, já
po de estudo das relações saúde e trabalho foram descritos os custos da atividade so-
busca estudar o modo como as dimensões bre a saúde dos sujeitos, como, por exem-
humanas estão implicadas na realização plo, para os médicos residentes, auxiliares
das tarefas e as possíveis repercussões de enfermagem, professores (ALBALADE-
sobre a saúde daqueles que trabalham in- JO, 2004; TYSON & PONGRUENGPHANT,
dependentemente do vínculo, contrato ou 2004; CODO, 1999; SPICKARD, 2002; JO-
setor econômico. Ênfase é dada à avalia- HNSON et al., 1995, MATOS, 1994).

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Marco teórico-metodológico desenvolvido

Visando abranger os fenômenos com- os trabalhos no campo da psicodinâmica


plexos que envolvem as dimensões hu- do trabalho propõem investigar como as
manas implicadas no trabalho, o ponto de pessoas não adoecem quando submetidas
vista que orientou a análise da demanda a determinadas sobrecargas impostas pelo
deste estudo e o delineamento do processo trabalho, trazendo contribuições fortes para
investigatório nos componentes teóricos e a ruptura do paradigma tradicional risco-
práticos entende a saúde para além da con- doença. Para esse campo, seria necessário
cepção de ausência de doenças, expandin- conhecer as estratégias individuais e cole-
do-a para os aspectos econômicos, sociais tivas para a defesa da saúde mental e a per-
e psicológicos. manência no trabalho (DEJOURS, 2000).

Para abordar a associação das queixas A insatisfação no trabalho é um termo


de cansaço e de esgotamento e a insatisfa- que designa um conjunto de sentimentos:
ção com os métodos de gestão registradas indignidade, vergonha de ser robotizado,
no sindicato dos teleatendentes, foram de não ser mais que um apêndice da má-
destacadas duas dimensões consideradas quina, às vezes de estar sujo, de não ter
relevantes para a compreensão do trabalho mais imaginação ou inteligência, de estar
despersonalizado etc. É do contato força-
e da sua execução: a organização do traba-
do com uma tarefa desinteressante que
lho e a atividade. A primeira refere-se ao
nasce uma imagem de indignidade. A fal-
conjunto de normas, regras e prescrições
ta de significado da tarefa para a família e
que determinarão a forma pela qual o tra-
os amigos e a ausência de sentido altruísta
balho será realizado, tendo por objetivo a
enodoam a imagem de si mesmo. A insatis-
produção. Assim, são estipulados os ritmos fação em relação ao conteúdo significativo
de trabalho, as pausas, os horários, os re- da tarefa engendra um sofrimento mental,
vezamentos, o treinamento, as estruturas o qual pode fragilizar o indivíduo, tornan-
hierárquicas e as comunicações. do-o susceptível ao adoecimento.
Já a atividade assume uma função fun- Estudos recentes vêm trazendo esclare-
damental na situação de trabalho, pois, a cimentos importantes sobre o peso da insa-
partir do desempenho das tarefas, ela inte- tisfação no trabalho no perfil de morbidade
gra as prescrições e imposições da empre- de grupos específicos de trabalhadores. Por
sa às características e aos conhecimentos exemplo, Seligmann-Silva (2003) analisa
dos trabalhadores. Dessa forma, a ativida- diversos componentes da organização do
de reúne em si a capacidade de integrar a trabalho que podem ter influência na saú-
empresa, o trabalhador, as tarefas e a carga de do trabalhador, com ênfase no fato de
de trabalho resultante do somatório dos que divisões técnica e social do trabalho
componentes do processo e das interações são perpassadas por relações de poder, ge-
desses elementos (GUÉRIN et al., 2001). rando uma questão micropolítica influen-
Para a Escola de Ergonomia Francesa, ciada pela macropolítica.
atividade de trabalho designa a maneira A autora explicita, ainda, que a orga-
do ser humano mobilizar as suas capacida- nização do trabalho é determinada por
des para atingir os objetivos da produção. decisões empresariais, as quais, por sua
Tem-se como pressuposto que o trabalho vez, são determinadas por razões de ordem
convoca o corpo inteiro e a inteligência técnica, concepção administrativa e con-
para enfrentar o que não é dado pela estru- cepção sobre o empregado, instâncias de
tura técnico-organizacional, configurando- pensamento empresarial influenciadas por
se como um dos espaços de vida determi- condições socioeconômicas e políticas do
nantes na construção e na desconstrução mundo que cerca a empresa, ou seja, gran-
da saúde (ASSUNÇÃO, 2003). de parte das exigências do trabalho decor-
Sob essa perspectiva, propõe-se estudar re tão-somente da visão dos organizadores
não apenas as condições físicas, químicas, sobre os executantes do trabalho e não do
biológicas ou mesmo psicossensoriais e processo de produção em si.
cognitivas do trabalho, mas considerar Nessa direção, o estudo aprofundado
igualmente a dimensão organizacional.
dos componentes do trabalho e da articula-
Nos anos 1950 e 1960, foram descritos ção entre esses elementos permite uma me-
alguns tipos de adoecimento mental rela- lhor compreensão dos fenômenos de saúde
cionados ao trabalho. Na década de 1980, na atualidade.

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A origem do estudo no setor de teleatendimento

O foco no setor de teleatendimento ori- São inúmeros os ramos da economia


ginou-se das queixas espontâneas dos tra- envolvidos: telefonia, serviços de utilida-
balhadores ao sindicato da categoria. Tais de pública, bancos, grandes indústrias,
queixas sustentaram uma representação ao grande comércio, entre outros (NORMAN,
Ministério Público do Trabalho. 2005; MARINHO-SILVA, 2004). A década
de 1990 viu surgir as CA, em todo o mun-
Diversas organizações sindicais em âm-
do, na esteira da “qualidade total” e deman-
bito internacional têm denunciado condi-
das mercadológicas de pronto e constante
ções de trabalho inaceitáveis, salários bai- atendimento aos compradores e usuários
xos e discriminações diversas. Chega-se a de bens e serviços em geral. A venda dire-
denominar os call centers como sweatshops ta ao consumidor via telemarketing, tanto
of the electronic age, algo que em tradução “receptivo” quanto “ativo”, por meios tele-
livre corresponderia a “senzalas da era ele- máticos, tornou-se o carro chefe de grande
trônica”5. número de empresas em todo o mundo.
5
http://www.tuc.org.uk
Os registros de cansaço mental, tristeza O mercado mundial de CA arrecadou
e sentimentos de impotência face às exi- cerca de € 23 bilhões em 1998, com estima-
gências da organização do trabalho, dispo- tivas de € 60 bilhões em 2003, empregando
níveis no sindicato, são enfáticos e sugerem cerca de 1,5 milhão de europeus e 5 milhões
uma associação com os componentes da de pessoas nos Estados Unidos. O número
atividade (VILELA & ASSUNÇÃO, 2004). de operadores nesse país pode variar de 2 a
Sob esse prisma, a investigação, em seus 7 milhões, trabalhando em 70 mil estabele-
componentes teóricos (conhecer o trabalho cimentos (MARINHO-SILVA, 2004).
dos teleatendentes) e práticos (fomentar
uma negociação tripartite: estado, empre- Na Alemanha, são 65 mil trabalhadores
sa e sindicato), traz em seu pressuposto a e, na Austrália, os números chegam a 60
idéia de que a natureza e as exigências das mil operadores de telemarketing e teleaten-
tarefas solicitam funções psicofisiológicas, dimento (TOOMINGAS, 2002). As CA são
podendo provocar reações mórbidas, que um dos negócios em maior desenvolvimen-
dependem das dificuldades e dos cons- to na Suécia. Na atualidade, o setor empre-
trangimentos aos quais estão submetidos ga 1,5% da população sueca, contrastando
os profissionais no desenvolvimento do com a cifra de 438 trabalhadores em 1987
seu trabalho. (NORMAN, 2005).

Nos últimos anos, a atividade de telea- Estima-se que 860 mil pessoas traba-
tendimento é desenvolvida nos call centers lhem nos centros de atendimento do Reino
ou centros de atendimento (CA), ambientes Unido (UNISON, 2005) e outras 45 mil, na
de trabalho nos quais a principal atividade Espanha (UGT, 2005). A Índia emprega es-
é conduzida via telefone, utilizando-se, si- timados 813.500 trabalhadores, à medida
multaneamente, terminais de computador. que avanços tecnológicos têm permitido a
Logo, o operador ou teleatendente é o aten- mobilização de centros de atendimento das
dente de chamadas que utiliza seu tempo empresas globais para países com menores
de trabalho respondendo a chamadas tele- custos operacionais (UNI-ASIA & PACIFIC,
fônicas, operando, simultaneamente, ter- 2004).
minais de computadores (HSE, 2005). Os dados brasileiros, apesar de contro-
O referido setor econômico organizou versos e escassos, não diferem quanto à
constatação de forte expansão e de impor-
estruturas de atendimento ao público ba-
tância econômica. No Brasil, registram-se
seadas na interface telefônico-informática
600 mil empregos diretos em 2005, com
(telemática) em todo o mundo, tornando-se
crescimento de 235% nos últimos três
a principal forma de contato para negócios
anos, sendo o setor o maior empregador na
entre a grande maioria das empresas priva-
área de serviços6.
6
www.abt.org.br das e públicas e seus clientes e/ou usuários.
O crescimento recente do teleatendimento, Em 1997, criou-se, no Brasil, a Agência
procurando suprir o relacionamento em- Nacional de Telecomunicações (ANATEL),
presa-cliente de mecanismos ágeis, ba- órgão estatal regulador das telecomunica-
seia-se na utilização ampla e intensiva de ções, dentro do processo de privatização do
tecnologias informáticas associadas à tele- setor no Brasil, visando organizar a explo-
fonia avançada: a telemática. ração dos serviços de telefonia. O quadro

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normativo desenvolvido pela Agência não de tempos do serviço telefônico prestado,
faz qualquer referência à saúde dos traba- acabam por justificar a definição, pelas em-
lhadores envolvidos, tanto nas concessio- presas, de rígidos tempos médios de aten-
nárias quanto nos prestadores de serviços dimento (TMA), como se verá adiante.
(ANATEL, 1998). As regras são focadas nos
aspectos econômicos do setor, vinculando- Há previsões contratuais de punição
se o conceito de qualidade de atendimento caso as disposições sejam violadas, impli-
basicamente aos tempos de espera do con- cando em perda da qualidade na prestação
sumidor. Paradoxalmente, então, as exigên- dos serviços, como multas de até R$ 40 mi-
cias de “qualidade”, traduzidas em redução lhões (id.).

Procedimentos metodológicos

O trabalho nos setores de uma empre- informação fornecida (ASSUNÇÃO & VI-
sa de teleatendimento foi estudado sob os LELA, 2002; VILELA, 2005).
pressupostos teóricos da Escola Francesa de Foram acompanhadas as negociações
Ergonomia. Estudou-se entre os meses de entre trabalhadores e empregadores e in-
julho a dezembro de 2002 o funcionamen- tervenções do Ministério Público do Traba-
to da empresa, o quadro de funcionários lho no quadro de um Procedimento Prévio
e as principais funções desempenhadas, Investigatório, que motivou o estudo ergo-
bem como os métodos de gestão de pesso- nômico citado, analisando-se as manifes-
al. Estudaram-se documentos internos da tações dos trabalhadores por meio de seus
empresa a fim de conhecer e descrever os representantes, as exigências legais dos ór-
mecanismos de controle da qualidade e da gãos públicos e as formas de resposta das
quantidade de trabalho dos teleatendentes. empresas estudadas.
Paralelamente, observou-se a realização das As interações dos atores, suas propos-
tarefas em cada um dos cinco setores da tas, seus consensos e conflitos foram ob-
empresa. Procurou-se entender o conteúdo servados e analisados (MARINHO-SILVA,
e a natureza das ligações. Na medida do 2004; SILVA & ASSUNÇÃO, 2005). Asso-
possível, sem interferir no andamento do ciando-se esses dados à discussão de ele-
trabalho, entrevistaram-se os teleatenden- mentos teóricos, levantaram-se subsídios
tes em tempo real. As observações abertas para a discussão e reflexão sobre medidas
e as entrevistas simultâneas deram origem de proteção da saúde dos teleatendentes.
Três audiências públicas envolvendo o
à segunda fase das observações. Foi elabo-
Ministério Público do Trabalho e as em-
rado um plano de observação sistemática,
presas acionadas tiveram duração média
tendo como principal variável o tempo de de três horas cada uma. Foram gravadas
atendimento. As outras variáveis foram: integralmente, procedendo-se, a seguir, à
natureza da ligação, tipo e adequação da “desgravação” e transcrição em texto, rea-
demanda do usuário ao modelo prescrito lizando-se o estudo das manifestações dos
pelos organizadores, ao número de telas participantes, categorizadas por temas de
consultadas por atendimento e ao tipo de interesse para o estudo.

A empresa estudada – resultados do estudo ergonômico

A empresa estudada contava com 2.285 do os serviços e atingindo, em 2003, uma


funcionários, predominantemente mulhe- população de 22 mil empregados.
res (70%), e reproduzia a característica de
O perfil dos trabalhadores coincidia com
expressiva rotatividade do setor, que fica a faixa da população que procura emprego
em torno de 2% ao mês, chegando à subs- no país, com dezenas de currículos aguar-
tituição de quase todo o efetivo (96%) em dando análise, visando ocupar os cargos
dois anos. Eram atendidas 70 milhões de disponíveis. Em relação à idade, a empresa
ligações ao mês, dispondo de mais de 6 mil possuía o mesmo traço do setor em geral,
pontos de atendimento e 12 mil funcioná- empregando jovens, quase 90% do efetivo
rios no país. A meta empresarial era abran- com menos de trinta anos. A maioria (72%)
ger todo o território nacional, diversifican- havia completado o ensino médio, 15% dos

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trabalhadores estavam matriculados em pequenas variações, mas mantendo as ca-
curso de nível superior e 3% já possuíam racterístics que originam forte pressão tem-
diploma de terceiro grau. Apenas 10% do poral e rigor nas avaliações informatizadas.
efetivo não concluíram o ensino médio.
Para atingir a determinação da ANATEL
Os mecanismos que operam o controle de garantir que 95% das chamadas sejam
da atividade são múltiplos: registro manual atendidas em menos de dez segundos, ao
de cada atendimento em formulário espe- invés de adequar numericamente o efetivo
cífico por setor e registros eletrônicos e em de trabalhadores, a empresa vislumbra que,
tempo real da duração dos atendimentos pelo menos, 90% dos atendentes não dei-
pelos monitores presentes fisicamente em xem o usuário esperar mais de dez segun-
uma sala especial, em que analisam, entre dos. Os mecanismos de controle implemen-
outros, gravações dos atendimentos cujo tados para garantir essa meta são: (a) cálculo
conteúdo, tom de voz e agilidade no aten- em situação real do tempo de atendimento,
dimento são considerados pelo supervisor que servirá para o cálculo do TMA – utili-
presente em cada célula de atendimen- zado para a avaliação individual do telea-
to. Além do controle eletrônico, existe o tendente; (b) cálculo diário e mensal da por-
controle da hierarquia, que consolida em centagem do efetivo, que não deixa o cliente
fichas especiais os horários de chegada, saí- esperar mais de dez segundos na linha.
da, duração real da única pausa permitida, Em um dos setores, como ilustra a Fi-
absenteísmo. Mensalmente são emitidas gura 1, ao longo do mês de setembro do
fichas que avaliam a qualidade do aten- ano de 2002, observa-se que o conjunto
dimento de acordo com os parâmetros da dos funcionários vinha conseguindo atin-
empresa: autodesenvolvimento, aspectos gir o objetivo pretendido, com pelo menos
disciplinares e produtividade. 93% de adequação. A partir do momento
Os tempos são rigidamente controlados, em que a maioria dos atendentes de qual-
adotando-se o próprio aparato técnico como quer setor consegue se adaptar a uma meta,
meio para obter os valores necessários ao independentemente do desgaste psíquico
controle dos critérios estabelecidos. Os da- que a adaptação possa gerar no operador,
dos armazenados pelo sistema abastecem as a empresa determina uma nova meta que,
fichas de controle e, além desse mecanismo nesse caso, foi de 100%.
de avaliação baseado na performance obti- Em determinado setor, a meta da con-
da em tempo real, o monitor do terminal de tratante não foi alcançada em nenhum dos
vídeo exibe sinais luminosos anunciando dias avaliados (Figura 2).
que o tempo está se esgotando.
O TMA no setor de auxílio à lista era
Alguns gráficos de alguns setores são de 25 segundos, de acordo com o prescrito
apresentados neste artigo a título de de- pela empresa. Se o operador não encontra a
monstração dos mecanismos de controle informação, deve dizer ao cliente que “Não
existentes em todos os setores, com algumas consta”.
% trabalhadores que atingiram a 99
100 meta 97
96 95
93

90

80

70

60

50

40

30

20
9/9/2002 10/9/2002 11/9/2002 12/9/2002 13/9/2002

Fonte: Assunção e Vilela, 2002.

Figura 1 Porcentagem de teleoperadores do setor empresarial que atingiram a meta de não deixar
o cliente esperar mais de 10 segundos e o tempo médio alcançado pelo coletivo de traba-
lhadores de acordo com o dia no mês de setembro de 2002

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100 No de trabalhadores (%)

90 88
84

80
73

70

60

52
49
50

40 41
40

30

20

10

0
Sex/06 Sab/07 Dom/08 Seg/09 Ter/10 Qua/11 Qui/12
dia da semana
Fonte: Assunção e Vilela, 2002.

Figura 2 Porcentagem de teleoperadores do 104 que atingiram a meta de não deixar o cliente esperar
mais de 10 segundos, consolidados diariamente

30 TMA (segundos)

25

20

15

10

0
jan/02 fev/02 mar/02 abr/02 mai/02 jun/02 jul/02 ago/02 set/02
mês
Fonte: Assunção e Vilela, 2002.

Figura 3 Média do TMA (em segundos) de todos os operadores do setor de auxílio à lista por mês

Se existem várias informações pertinen- informatizado, lentidão no funcionamento


tes, o operador investiga, dialogando, qual da rede, até a variabilidade no tipo de de-
seria a melhor para o cliente, mas não deve manda do usuário, dentre outros.
destinar muito tempo a essa operação. Ob-
serva-se, na Figura 3, que apenas no mês de O comportamento e a disciplina são
janeiro o conjunto de teleoperadores não controlados por meio da atribuição de pon-
conseguiu, pela média estabelecida, atin- tos a eventuais atrasos no início da jorna-
gir a meta de TMA de 25 segundos no se- da ou ausências ao trabalho. Por qualquer
tor de auxílio à lista. Não houve avaliação atraso, são perdidos dois pontos e, por
específica do trabalho no mês de janeiro, qualquer ausência, são perdidos todos os
mas pode-se inferir, via estudo de outros seis pontos referentes ao critério de ava-
meses, que os fatores que contribuem para liação assiduidade. O atendente não pode
tal impossibilidade de atendimento das deixar o cliente esperando sem lhe solicitar
metas são múltiplos, desde a introdução de que aguarde mais um pouco a cada 30-40
novas informações, alterações no sistema segundos. Esses parâmetros, assim como o

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respeito ao tempo de pausa, são pontuados operacionais (10 pontos), somando-se 100
na avaliação de desempenho. pontos mensais, que significam o resulta-
do da avaliação de desempenho e o futuro
As pausas mostram-se insuficientes
frente às exigências do trabalho e os inter- do operador naquela empresa. Segundo o
valos para a recuperação entre os atendi- supervisor, as notas ficam entre 75 e 95,
mentos são curtos, quando existem: sendo raros os atendentes que obtêm nota
100 na avaliação de desempenho. No últi-
A fonoaudióloga disse que era pra eu to- mo caso, a pessoa recebe um “diploma de
mar água sempre, porque minhas cordas
vocais estão endurecendo, mas não posso
reconhecimento”. É a única nota conside-
ficar tomando, pois não dá tempo. E se rada excelente. Se a nota for entre 80 e 99, é
eu tomar, vou precisar ir ao banheiro, e a boa. Entre 70 e 79 pontos, o desempenho é
gente não pode deslocar. (teleatendente) considerado regular. Entre 50 e 69 pontos,
fraco; e, inferior a 50, ruim. Se o atenden-
O controle dos resultados é exercido de
várias formas, sendo a tentativa de difun- te fica em nível fraco ou ruim, é chamado
dir entre os funcionários alguns valores e para “reciclagem”, com novo treinamento,
regras da empresa, um mecanismo geral e mas se for reincidente, é demitido.
abrangente, realizado por meio da distri- Dessa forma organizado, o setor expõe
buição de um cartão, no qual são exaltados os seus trabalhadores a fatores de risco que
alguns valores: “Meritocracia”, a “Paranóia explicariam a alta prevalência de queixas
pelo resultado” e a “Busca de Excelência”, registradas tanto na literatura quanto nos
por meio “da transparência das informa-
organismos sindicais, como será relatado a
ções e da padronização de processos e mé-
seguir.
todos”.
O uso estrito e controlado de scripts
Os atendentes, já imbuídos do “espírito
pré-formatados é uma tentativa de padro-
da empresa”, são avaliados mensalmente
nos seguintes quesitos: qualidade no aten- nização e aceleração dos atendimentos por
dimento, que inclui alguns critérios defini- parte da empresa. Essa tática, porém, não
dos para cada setor e controle por meio de se mostrou suficiente para a resolução dos
formulário eletrônico e escuta de ligações problemas reais. Na observação de atendi-
pela monitoria de qualidade, totalizando mentos de um operador, foram atendidas
40 pontos; TMA (10 pontos); tempo “loga- 66 chamadas em trinta minutos, necessi-
do” (5 pontos); tempo de pausa (10 pontos); tando-se de 69 perguntas adicionais ao tex-
postura no tratamento ao cliente (10 pon- to padronizado para melhor compreensão
tos); pontualidade (6 pontos); assiduidade das demandas dos clientes, com uma mé-
(6 pontos); busca de autodesenvolvimen- dia aproximada de duas perguntas extras
to (3 pontos); e observância das normas por minuto.

As audiências estudadas – resultados do procedimento


prévio investigatório
Os achados da análise ergonômica do Taylor & Bain (1999) de que os empregado-
trabalho apresentada e dos autores estu- res em CA, à procura de lucros máximos
dados vêm contrapor-se, frontalmente, à e custos mínimos, mantêm constante pro-
lógica racional de produtividade, que não cesso de pressão e de competição para ex-
leva em conta o desgaste e as competências trair mais valor de seus empregados, pro-
necessárias para o desempenho das tarefas curando controle total sobre as formas de
prescritas. As organizações consideram na- trabalho.
tural monitorar, gravar, controlar os atendi-
mentos sem justificativas de trabalho para As empresas admitem e investem no
a criação de métodos de controle sobre os controle estrito das ligações, visando a
tempos de atendimento. Não são apresen- um atendimento que seria mais rápido e
tados critérios claros ou motivos outros eficiente. Tenta-se, assim, justificar a exis-
que não os de razão comercial, como gran- tência do script, a escuta, a gravação de
de pressão da concorrência, necessidades diálogos e a utilização de câmeras nos am-
comerciais de atendimento eficiente ou bientes de trabalho, entre outras formas de
cumprimento de normas estatais de quali- controle. Explica-se esse controle como de-
dade para esse controle. Vê-se reproduzir, fesa do consumidor e como método de apri-
no setor analisado, a tendência exposta por moramento dessa fraseologia e dos com-

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portamentos e atitudes dos teleatendentes. trabalhadores sobre a homogeneidade dos
Não se valoriza, no entanto, o alto custo do procedimentos utilizados (SINTTEL-MG,
estresse sobre a saúde dos trabalhadores 2001).
originado da avaliação contínua e dissimu-
lada, do constrangimento da gravação e do Vale comentar que, do ponto de vista
controle dos diálogos, como explicitam as da ANATEL, visando à proteção do serviço
queixas registradas junto ao sindicato e aos prestado à população, as exigências são de-
órgãos públicos e os resultados descritos sejáveis e necessárias ao modo de funciona-
por Glina e Rocha (2003) e Wisner (1994). mento das comunidades urbanas. Por outro
lado, a maior parte das despesas dos CA
A tentativa de definir formatos fixos
refere-se aos custos com pessoal, interes-
para o diálogo, por meio de scripts predeter-
sando, do ponto de vista empresarial, man-
minados, contrapõe-se à referência empre-
sarial de que haveria “variação do trabalho ter-se o menor número de trabalhadores em
para cada produto”, contradição vivencia- atividade, intensificando-se suas tarefas. Ao
da em tempo real pelos teleatendentes no mesmo tempo, negligencia-se a percepção
cumprimento de sua tarefa. Insiste-se nas dos trabalhadores do desgaste gerado e dos
diferenças de uma empresa para outra, na efeitos sobre a saúde descritos pela literatu-
diferença e na especificidade dos scripts, ra científica (TORRES, 2001; ABRAHÃO et
contrariamente, porém, à afirmação dos al., 2003; TAYLOR & BAIN, 1999).

Discussão

As evidências de adoecimento dos telea- sabem que são vigiados constantemente,


tendentes porém não sabem exatamente o momento
de uma determinada avaliação ou moni-
O discurso das empresas expresso nas
toria, o que os obriga a manter constante
audiências (SILVA & ASSUNÇÃO, 2005)
busca da perfeição e eliminação de falhas.
evidencia o constante processo de pressão
Obviamente, a perfeição é utópica, mas sua
e competição. Os gestores procuram o con-
busca pode gerar grande ansiedade.
trole total sobre as formas de trabalho, mas
sem levar em conta o desgaste e as com- O controle evidenciado representa,
petências necessárias para o desempenho muitas vezes, uma forma mais facilmen-
das tarefas prescritas. Os mecanismos de te perceptível de pressão pelo seu caráter
controle descritos ilustram a “moderniza- coercitivo, carregando grande potencial
ção” das relações de poder, o que afeta um adoecedor. Exige-se cada vez mais respon-
pouco a antiga estrutura hierárquica pira- sabilidade do trabalhador e até autonomia,
midal, trazendo novas formas de pressão, porém partindo do princípio da não con-
pois o controle parte de diversos pontos, fiabilidade, citado por Seligmann-Silva
não apenas da chefia imediata. Há tantas (2003), em que os modos de controle, a
formas de vigilância apoiadas em novas avaliação rigorosa e os incentivos por pro-
tecnologias, que o trabalhador passa a vi- dução devem ser cada vez mais aplicados,
giar a si próprio, tornando-se transparente pois o trabalhador não é confiável. A sen-
(LYON, 1994). sação de ser constantemente vigiado, como
Na obra “O Panóptico” (BENTHAM, é o caso, pode gerar extremo mal-estar no
2000), são transcritas cartas em que Jere- ser humano.
my Bentham descreve um modelo ideal de Forma-se, nos dizeres de Foucault
presídio, em 1787, na Rússia. Esse modelo (1987):
prevê uma construção circular com celas
uma política de coerções que são um tra-
dispostas na periferia e um posto central
balho sobre o corpo, uma manipulação
de vigilância. O objetivo maior era que as calculada de seus elementos, de seus
pessoas inspecionadas se sentissem cons- gestos, de seus comportamentos. O corpo
tantemente sob vigilância, mesmo que isso humano entra numa maquinaria de poder
não estivesse realmente ocorrendo. Para que o esquadrinha, desarticula e o recom-
tanto, os prisioneiros não conseguiam ver põe, criando corpos dóceis, fortalecidos
quem os inspecionava. em termos de utilidade e capacidade de
resolver problemas da tarefa e enfraqueci-
Essa idéia antiga está presente nos pos- dos em seu poder de decisão, subjugados
tos de trabalho estudados. Os trabalhadores a uma dominação.

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 31 (114): 47-62, 2006 55


Nesse cenário organizacional, o poten- neste estudo, incluindo pressão temporal,
cial patogênico das condições de trabalho insuficiência de pausas, restrições ao di-
nos centros de teleatendimento já está su- álogo, atenção mantida e forte solicitação
ficientemente descrito pelos pesquisadores da memória, estímulos à competitividade
adiante referidos que, entre vários, vêm e monitoramento eletrônico das chamadas
se ocupando da questão: Dejours (1987), (SZNELWAR & MASSETTI, 2000).
Assunção e Souza (2000), Abrahão (2000)
Do ponto de vista da execução da ta-
e Glina e Rocha (2003). Os estudos colo-
refa dos teleatendentes, a variabilidade de
cam em evidência as situações nocivas de
situações associada às exigências de rapi-
trabalho, como: manutenção de posturas
dez, rigidez de comportamento e fala e re-
inadequadas, utilização contínua da voz,
exposição aos sons gerados pelos fones de lacionamento com o público são, segundo
ouvido e pelos ruídos do ambiente, des- Echternacht (1998), Fernandes et al. (2002)
conforto térmico, iluminação deficiente e Wisner (1994), motivos de acentuação
e restrições à satisfação das necessidades da carga de trabalho. A noção de carga de
fisiológicas (SINTTEL-MG, 2001; TORRES, trabalho utilizada pelos autores refere-se
2001; TOOMINGAS, 2002; FERREIRA & à resultante dos processos de regulação
SALDIVA, 2002). das variáveis presentes na atividade de-
senvolvidos pelos trabalhadores. A carga
A presença constante de queixas e aumenta na medida em que diminuem as
sintomas de estresse e o alto absenteísmo alternativas operatórias frente às variáveis
(TORRES, 2001) são evidências de des- das situações de trabalho. Os teleatenden-
gaste resultante de regulações cognitivas, tes, utilizando estratégias e competências
altas exigências afetivas e psíquicas num adquiridas no próprio trabalho, procuram
ambiente sonoro desconfortável, utilizan- gerir as ambigüidades da tarefa proposta:
do-se de mobiliário precário (ABRAHÃO et atender rapidamente e de forma padroni-
al., 2003). zada uma demanda variável, sem perda de
Glina e Rocha (2003) mostraram asso- qualidade. Esse compromisso não se faz
ciação entre os conflitos qualidade/quanti- sem custos para o estado interno e para as
dade, a fila de clientes em espera, a falta de integridades física e mental dos atenden-
controle sobre o trabalho, o monitoramen- tes, como demonstram os estudos citados.
to eletrônico do desempenho, entre outros O estudo já clássico de Le Guillant em
fatores, e a tensão psicológica, a ansiedade, 1956 (LE GUILLANT et al., 1984), descre-
a depressão e a fadiga em operadores de vendo o que se chamou de “neurose das
empresa de telefonia. As autoras confir- telefonistas”, mostrou a tensão nervosa ge-
maram a existência de elevada sobrecarga rada pelo processo de trabalho como fator
emocional, cognitiva e física no trabalho de rendimento e aceleração das tarefas. É
dos operadores de telemarketing. Foram evidente a atualidade dessas constatações.
descritas relações claras entre a atividade
de trabalho e os sintomas apresentados pe- A literatura científica é coerente com
7
Ver “HSE - HEALTH & SAFETY los telefonistas estudados, incluindo fadiga as afirmações dos trabalhadores junto a
EXECUTIVE. Psychosocial risk fac- visual, distúrbios do sono, sintomas diges- seus sindicatos, em todo o mundo, mos-
tors in call centres: An evaluation tivos e gerais, distúrbios da personalidade trando a superutilização das capacidades
of work design and well-being” e da vida relacional. Os achados têm cará- mental e emocional dos operadores. Sur-
(2003). Disponível em: http://www. gem, assim, além dos danos ocupacionais
ter universal e são validados pelos traba-
hse.gov.uk/research/rrhtm/rr169.
lhadores e suas organizações em amplos considerados “tradicionais”, outros danos
htm. Entidade sindical australiana
publicou documento no mesmo estudos realizados por organizações sindi- menos visíveis à saúde do trabalhador
sentido: “Call Center Minimum cais, governos e institutos de pesquisa de (SINTTEL-MG, 2001). Os dados apresen-
Standards Code”, disponível em países desenvolvidos citados neste artigo. tados obtidos com as análises ergonômicas
http://actu.labor.net.au/public/pa- Por exemplo, pesquisa envolvendo 3.500 e os dos autores estudados vêm contra-
pers/minstandscode.html. Funda- operadores de teleatendimento franceses por-se, frontalmente, à lógica racional de
ção espanhola (Fundación para la
mostrou resultados contundentes, tais produtividade, de procura de lucros máxi-
Prevención de Riesgos Laborales)
realizou estudo por solicitação como queixas de ansiedade, estresse e fa- mos e custos mínimos, demonstrada nas
de entidades sindicais e grandes diga em 71% dos entrevistados, problemas audiências públicas.
empresas de telecomunicações, visuais e auditivos (16%) e dorsalgias (6%)
Diversos governos e organizações de
publicando “Las condiciones de (CFDT, 2002).
trabajo en los centros de llamadas trabalhadores tentam intervir nos setores
(Call Centers)”, disponível em A literatura consultada apresenta vários de teleatendimento por meio de recomen-
http://www.fct.ccoo.es/teleco/in- fatores considerados geradores de sofrimen- dações de “boas práticas” específicas para
dex.html. to e adoecimento, semelhantes aos descritos as condições de trabalho7.

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O desafio da intersetorialidade

Em 1988, a garantia de saúde no traba- os riscos existentes no ambiente de traba-


lho foi alçada ao topo da hierarquia jurídi- lho, mas que o meio ambiente de trabalho
ca brasileira em virtude da introdução de deve ser permanentemente equilibrado,
norma expressa – o art. 7º, inciso XXII da de modo a proporcionar uma vida saudá-
Constituição Federal – consagrando como vel e digna para os trabalhadores que ali
direito dos trabalhadores “a redução dos exercem suas atividades, assim como para
riscos inerentes ao trabalho, por meio de todos que venham a ser admitidos.
normas de saúde, higiene e segurança”.
Dessa forma, a preservação da saúde
Indo mais além, a Constituição Federal dos trabalhadores é um direito fundamen-
explicitou que o direito ao meio ambiente tal e de natureza intrinsecamente coletiva,
ecologicamente equilibrado – nele com- que é disciplinado não somente pela le-
preendido o meio ambiente do trabalho gislação trabalhista e previdenciária, mas
– constitui “bem de uso comum do povo também pelas normas jurídicas e outras
e essencial à sadia qualidade de vida, im- fontes do Direito que regem a proteção ao
pondo-se ao poder público e à coletividade meio ambiente como um todo.
o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações” (art. 200, VIII O direito ambiental fornece princípios
c/c art. 225). que complementam as normas trabalhis-
tas, ao mesmo tempo em que auxiliam a
Duas características atribuídas ao meio sua aplicação, concedendo-lhes significa-
ambiente pelo texto constitucional merecem do coerente com a Constituição Federal.
ser ressaltadas. Por se tratar de bem de uso
comum do povo, o meio ambiente envolve O princípio da precaução8 ocupa posi-
ção central no direito ambiental, baseando-
8
Fiorillo (2003) descreve o princí-
direitos de natureza difusa, que, por isso, pio da precaução sob a denomi-
não podem ser apropriados individualmen- se na inarredável existência de riscos de- nação de princípio do desenvolvi-
te. A essencialidade de manter uma sadia correntes do desenvolvimento de todas as mento sustentável.
qualidade de vida atribui a natureza de bem atividades humanas. Mas, como esclarece
ambiental a todas as coisas e direitos neces- Machado (2004), na maioria das análises, o
sários para tanto, tais como o ar, a água, a princípio da precaução é limitado aos ris-
saúde, o trabalho etc. (ROSSIT, 2001). cos e aos perigos conhecidos no presente.
Pelo contrário, é dos riscos futuros, daque-
O conceito legal de meio ambiente é les que no presente podem até ser conside-
bastante amplo, refletindo a sua complexi- rados irreais ou improváveis, de que trata
dade e abrangência, e está determinado no o princípio da precaução. São os danos
art. 3º, I, da Lei n. 6.938/81, como o “con- que as atividades humanas irão gerar que
junto de condições, leis, influências e inte- devem ser previstos, impondo-se a adoção
rações de ordem física, química e biológica de ações antecipadas que impeçam a sua
que permite, abriga e rege a vida em todas concretização.
as suas formas”. A doutrina em direito am-
biental é praticamente uniforme ao atribuir Ao lado do princípio da precaução, si-
quatro dimensões ao meio ambiente: meio tua-se o princípio da prevenção. Os danos
ambiente natural, meio ambiente artificial, ao meio ambiente são de difícil reparação
meio ambiente cultural e meio ambiente ou até mesmo impossíveis de serem repa-
do trabalho. rados, pois não se pode restituir a vida de
um animal extinto ou de um trabalhador
Fiorillo (2003, p. 22-23) atribui ao meio morto em acidente de trabalho. Por isso, os
ambiente do trabalho o seguinte conceito: riscos devem ser antecipados (precaução)
É o local onde as pessoas desempenham e as ações de proteção devem ser suficien-
suas atividades laborais, remuneradas ou temente eficientes, de modo a impedir que
não, cujo equilíbrio está baseado na salu- o dano seja consumado (prevenção). Dessa
bridade do meio e na ausência de agentes forma, a prevenção apresenta relação direta
que comprometam a incolumidade físico-
com a eficiência das medidas de proteção,
psíquica dos trabalhadores, independente
da condição que ostentem (homens ou
de tal maneira que aquele que não evita o
mulheres, maiores ou menores de idade, dano não o previne.
celetistas, servidores públicos, autôno-
Dois outros princípios do direito am-
mos, etc.).
biental também se apresentam como es-
Portanto, a Constituição Federal não as- senciais à efetividade da proteção à saúde
segura apenas o direito à proteção contra dos trabalhadores: o princípio do polui-

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 31 (114): 47-62, 2006 57


dor-pagador, que obriga o autor do dano a última trincheira de garantia da efetivida-
responder pela sua reparação, e o princípio de da Constituição Federal.
da participação, que se traduz na necessi-
Embora o arcabouço jurídico-institu-
dade de envolver todos os interessados nas
cional brasileiro possa ser considerado
ações de política ambiental, posto que o
sofisticado no plano abstrato, sua trans-
meio ambiente é direito de todos e bem de
posição para a realidade das relações de
uso comum.
trabalho enfrenta severas críticas, levando
Aos princípios oriundos do direito am- vários autores à constatação de que as polí-
biental somam-se normas constitucionais ticas públicas de proteção à saúde dos tra-
que sobrelevam o trabalho humano e, con- balhadores não são adequadas e tampouco
seqüentemente, a sua execução em condi- eficientes.
ções dignas e sadias. Dentre os princípios Oliveira (2002) aponta a ausência de
constitucionais fundamentais, previstos unidade de atuação do Estado para solu-
no art. 1º da Constituição Federal (BRASIL, cionar problemas relacionados à saúde do
1988), estão incluídos os valores sociais trabalhador, motivada pela fragmentação
do trabalho. Já o art. 170, ao estabelecer os das responsabilidades em órgãos distintos,
princípios que devem ser observados em como fator relevante para a ineficiência,
toda a atividade econômica nacional, pres- gerando esforços desarticulados.
creve o dever de valorizar o trabalho hu-
mano e de que a propriedade cumpra uma Gomez e Lacaz (2005) resumem com
função social9 a fim de assegurar uma vida muita clareza os avanços e desafios no
9
A função social da propriedade digna para todos e atender aos ditames da campo da saúde do trabalhador no Brasil.
também está prevista no art. 5º, Do exposto pelos autores, extraem-se dois
justiça social.
XXIII. pontos que reforçam a problemática e a es-
Para garantir a efetividade das nor- trutura da investigação que foi apresenta-
mas de proteção à saúde do trabalhador, a da. O primeiro diz respeito à concentração
Constituição Federal distribuiu competên- da produção científica no setor industrial,
cias entre diversos atores sociais. A União com pouco investimento nos setores de
Federal organiza, mantém e executa a ins- serviços e agrícola, além de uma contex-
peção do Trabalho (art. 21, XXIV) através tualização incipiente do objeto estudado,
do Ministério do Trabalho e Emprego. Ao com fraca contribuição para o desencadea-
Sistema Único de Saúde (SUS) cabe com- mento de ações práticas. O segundo ponto
plementar as ações estatais de proteção ao ratifica a crítica apresentada por Oliveira
meio ambiente do trabalho (art. 200, VIII), (2002), destacando-se a necessidade de
o que também ocorre mediante as ações políticas públicas que gerem ações interse-
executadas pelo Ministério da Previdência toriais capazes de “propor linhas de ação,
Social. A participação dos trabalhadores formas de implementação e de avaliação
é garantida por meio dos seus sindicatos, efetivas e adequadas às necessidades reais
que podem promover medidas judiciais do conjunto dos trabalhadores”.
e extrajudiciais para a defesa dos interes-
ses da categoria e são indispensáveis em O estudo do setor de teleatendimento
qualquer negociação coletiva, inclusive desenvolveu-se em uma investigação do
naquelas que visem à melhoria das condi- Ministério Público do Trabalho orientada
ções de trabalho (art. III e VI). E se as ações pela estratégia da intersetorialidade, na
10
O Termo de Ajustamento de medida em que entrelaçou as atividades
Conduta constitui um compro- decorrentes do poder de polícia do Estado
e a atuação sindical não forem suficientes específicas daquele órgão, da Universidade
misso unilateral do empregador,
através do qual ele se compromete para promover a proteção do trabalhador, e do Ministério do Trabalho e Emprego, em
a satisfazer obrigações, imediata- a Constituição Federal atribuiu ao Ministé- um torno de único objetivo: proteger a saú-
mente ou em um prazo determi- de dos trabalhadores. E é possível conside-
rio Público do Trabalho a prerrogativa de
nado, com o objetivo de reparar rar que, junto com a análise ergonômica,
instaurar inquérito civil público e outros
os danos que vem causando aos foi um instrumento para a materialização
direitos dos trabalhadores, sob procedimentos investigatórios (art. 129,
de três princípios fundamentais do direito
pena de pagamento de multa. Sua III), os quais podem ter como resultado a
ambiental.
previsão legal está no art. 5º, § 6º celebração de um Termo de Ajustamen-
da Lei 7.347/85. to de Conduta10, a regularização do meio A análise ergonômica de um setor
ambiente do trabalho ou o ajuizamento com exígua regulamentação legal, mas em
de ação civil pública. Portanto, se todos os franca expansão – como é o caso do tele-
demais atores sociais esgotarem seus ins- atendimento – permitiu a expressão dos
trumentos de defesa do meio ambiente do trabalhadores, o levantamento dos fatores
trabalho, caberá à Justiça do Trabalho ser a de adoecimento já existentes no ambien-

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te de trabalho e a projeção dos danos aos ção das empresas investigadas e dos tra-
empregados e ao sistema previdenciário, balhadores, estes, por meio do sindicato
que podem ocorrer no futuro, se nenhuma da categoria, nas audiências públicas, e
mudança for introduzida na organização também individualmente, nas entrevistas,
desse trabalho. cumprindo-se o princípio da participação.
E os resultados do estudo fornecem ele-
Este estudo focalizou o setor de servi- mentos para a elaboração de medidas de
ços e as investigações realizadas permiti- proteção imediatas, a fim de tornar efetivo
ram elaborar cinco artigos e duas disserta- o princípio da prevenção.
ções de mestrado. Quanto às ações práticas
referidas por Gomez e Lacaz (2005), os re- Essas recomendações serviram como
sultados da pesquisa foram integrados ao base para a Federação dos Trabalhadores
Procedimento Investigatório no Ministério em Telefonia (FITTEL) e o sindicato da ca-
Público do Trabalho. No prosseguir do re- tegoria em Minas Gerais (SINTTEL-MG)
ferido processo, foi elaborado um plano de participarem de discussões em âmbito na-
recomendações que serviu para orientar cional, a partir do “Seminário de Ativida-
discussões, tanto no Ministério Público do des de Teleatendimento/Telemarketing no
Trabalho quanto no Ministério do Traba- Setor de Telefonia”, em 16 e 17 de outu-
lho e Emprego. O Quadro 1 reproduz na bro de 2002, ocorrido na Fundacentro de
íntegra as recomendações dispostas no São Paulo, que teve por objetivo avaliar
as condições de trabalho nas empresas de
Relatório da Pesquisa (ASSUNÇÃO & VI-
teleatendimento/telemarketing do setor de
LELA, 2002).
telefonia, com discussões tripartites, en-
Durante todo o procedimento de inves- volvendo representantes do Estado, dos
tigação, foi assegurada a livre manifesta- trabalhadores e das empresas.

Quadro 1 Recomendações para a transformação das situações identificadas


Maior autonomia para o atendimento
Se a empresa optar pelo script, não deverá obrigar o operador a usá-lo.
O operador poderá responder ao usuário da maneira mais adequada ao atendimento.
Será garantida ao operador a formação necessária para atender o usuário.
O curso de capacitação deverá prever conteúdo referente aos aspectos psicológicos e cognitivos
do usuário distante.
Serão realizadas pausas regulares de 10 minutos.
A empresa garantirá sala para descanso, fora do espaço de trabalho, não sendo incluído, na pausa,
o tempo destinado ao deslocamento do posto de trabalho até a referida sala.
Sob nenhuma hipótese, deverá haver imposição de tempo médio de atendimento.
A supervisão da área de trabalho não poderá se dar corpo-a-corpo.
Avaliação e controle da produtividade
Nenhuma forma de avaliação será amparada em índices (de qualquer natureza) de produtividade.
Ressalta-se que o absenteísmo deve ser um indicador de qualidade de vida e de trabalho. Em ne-
nhuma hipótese poderá servir de indicador de avaliação de desempenho.
As câmeras filmadoras destinadas aos mecanismos de segurança, quando existentes, não poderão
ter a finalidade de controlar o trabalhador.
As gravações do atendimento, se necessárias por questões de segurança, deverão permanecer em
posse do operador.
Somente poderão ser avaliadas pela hierarquia na presença do operador e com seu consentimento.
Metas de produtividade
As metas de produtividade serão definidas em comissão tripartite e a FITTEL terá acesso perma-
nente aos dados registrados, podendo interromper o processo, caso os índices ultrapassem os
limites aceitáveis.
Em nenhuma hipótese os aparatos poderão dispor de sinais sonoros e/ou luminosos anunciando a
duração do atendimento.
Os critérios de qualidade deverão ser ligados à capacidade de resolução de problemas e não à
capacidade de seguir procedimentos prescritos.
Fonte: Assunção e Vilela, 2002.

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Vê-se que a experiência relatada que em viabilizar a elaboração de políticas pú-
articulou universidade, ministérios e sin- blicas capazes de transformar a realidade
dicatos apresenta uma via para vencer os sanitária (TEIXEIRA & PAIM, 2002). Segun-
problemas colocados por Gomez e Lacaz do os autores, essa estratégia busca uma
(2005). Os autores destacam a “ausência de relação entre uma ou várias partes do setor
uma Política Nacional de Saúde do Traba- saúde em direção a uma ou várias partes de
lhador intersetorial e capaz de propor linhas outro setor, relação em que cada qual pode
de ação, formas de implementação e de ava- oferecer elementos específicos originados
liação efetivas e adequadas às necessidades de sua missão e que dificilmente seriam
reais do conjunto dos trabalhadores”. produzidos no setor saúde sem as parcerias
necessárias. No caso apresentado, dificil-
Como visto, há vários órgãos públicos mente o setor saúde isoladamente poderia
envolvidos e a intersetorialidade torna-se reunir empresas visando à transformação
uma necessidade e uma estratégia para re- das condições de trabalho que fossem orien-
solver as deficiências históricas na efetiva- tadas por um estudo acadêmico e apoiadas
ção das políticas públicas e sociais no país. por ações de fiscalização e que, por fim,
A relevância da estratégia de buscar a ação propiciariam vias para a construção de re-
intersetorial deve-se a sua potencialidade comendações técnicas oficiais.

Considerações finais

Observou-se, ao longo deste estudo, o balho e das dificuldades enfrentadas pelos


paradoxo marcante entre diversos elemen- trabalhadores. Outro ponto positivo é a
tos presentes na esfera da organização do ampla divulgação do Relatório da Pesquisa
trabalho do setor analisado. O primeiro (ASSUNÇÃO & VILELA, 2002) na esfera do
diz respeito à contradição entre rígidos setor judiciário, do movimento sindical e
mecanismos de controle e o objetivo de da academia.
qualidade da tarefa de atender o cliente. O
segundo trata da contradição entre os tem- Por fim, vale lembrar que a investigação
pos controlados, os scripts pré-formatados permitiu apresentar subsídios metodológi-
e a flutuação da atividade de solução de cos e práticos ao debate sobre a crise sis-
demandas dos clientes. O terceiro eviden- têmica que, nos dizeres de Gomes e Lacaz
cia a dificuldade em se obter satisfação do (2005), atinge trabalhadores, seus órgãos
cliente em um trabalho que depende da re- de representação, as políticas públicas tra-
lação humana e, ao mesmo tempo, tolhe a balhistas, as propostas e a produção cientí-
expressão do afeto e a ação. fica no campo da saúde do trabalhador.

Esta investigação, nos seus componen- Para futuros processos investigatórios,


tes práticos e teóricos, apresentou alguns este artigo sugere aos atores sociais fo-
pontos positivos, pois os métodos utiliza- mentar parcerias entre Universidades, Mi-
dos tiveram como vantagem permitir uma nistério Público e Ministério do Trabalho
aproximação do trabalho real e da visão e Emprego, captando e valorizando a ma-
dos trabalhadores sobre a tarefa, permitin- nifestação dos trabalhadores por meio de
do a descrição da organização real do tra- seus órgãos de representação.

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