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Já havia ouvido vagos relatos sobre esta estranha característica daquele povo, com
sua doidivana mania de fazer casas bonitas.
Muitos acreditarão que isto não tem nada a haver com nada. Que esta história e
conclusão não passa de uma cabeça que esquentou um pouco mais neste verão. Mas
mesmo assim eu continuo firme nela, ou seja, os asbórnios se ferraram à custa
desta mania besta.
Mas como pode isto?
Vou esclarecer, principalmente comparando. Comparando com o que o povo de onde
vivo construiu. Ou seja, como nós aqui, do país das Perfurações Generais resolvemos
esta questão básica que acompanha a humanidade desde os seus primórdios, e como
nós colhemos agora os frutos das sábias escolhas que fizemos e continuamos a fazer
este tempo todo.
Para começar, por exemplo, compare estas duas imagens. A da esquerda é na
Asbórnia, a da direita aqui em Perfurações.
Deu pra notar?
Ainda não? Então vamos ver como a incúria nos detalhes compromete o todo.
O que salta aos olhos de imediato é o desperdício geral de espaço na Asbórnia. Um
esbanjamento e uma gastança generalizada dos preciosos metros quadrados que nós,
os perfureiros, tanto prezamos. O resultado são cidades que distanciam as pessoas,
em contraposição ao nosso estilo compacto, que consegue colocar as pessoas bem
mais próximas umas das outras.
E os muros? Nada que transmita mais segurança e estilo, do que este elemento tão
antigo quanto as primeiras cidadelas. Mas na Asbórnia,frequentemente, eles parecem
desconhecer esta lição, enquanto nós aqui nos esforçamos para incorporar este
elemento desde o princípio da construção,
E as grades? Definitivamente alguém daqui, precisa ir rápido lá ensinar os asbórnios a
gradear uma casa! Compare a fragilidade, com a solidez do que sabemos fazer.
Outra prova da falta de rumo dos asbórnios: parece que eles passam todo o tempo livre
deles, pintando casas. Senão como explicar que 80% das casas parecem ter sido
pintadas na véspera, de tão impecavelmente limpas e coloridas? Prá que isto?
E o que dizer dos telhados? A Asbórnia sempre viveu uma fixação por telhados, que
terminou por a levar ao estado que se encontra hoje. Uma profusão de cores e de
formatos de telhas de barro e cerâmica, que termina por confundir os olhos de visitantes
como eu, que não estão acostumados. Não raro também, é flagrar os asbórnios
lavando telhados, uma suprema forma de desperdício e que confirma, para fim de
discussão, o estado de ócio em que aquele povo deve viver.
Nesta mesma linha se enquadra outro detalhe. O reboco. Não consegui ver nenhuma
casa sem reboco, ou com ele pela metade. Por menor que seja a parede, eles rebocam
e pintam. Por outro lado, nós aqui de Perfurações temos explorado todo o potencial
estético, decorrente desta econômica forma de ampliar as sensações visuais em uma
mesma construção.
Outro elemento estético e funcional de extrema importância, e que definitivamente não
existe, na Asbórnia, é o terraço. Esta jóia da arquitetura perfureira, que tanto tem
refrescado (dizem alguns) e quebrado o galho (acrescentam outros) nas residências de
qualquer porte por aqui, simplesmente não existe por lá.
Assim, tanto prédios quanto casas, ficam privados deste importante elemento, o que
tem sido compensado por eles sabe-se lá como.
E por falar em prédios, aqui também se manifesta a recorrente mania dos asbórnios de
desperdiçar espaço e adicionar elementos desnecessários nas suas laterais. Portas,
janelas e sacadas nas paredes laterais, além de desnecessárias distâncias entre eles,
terminam, creio eu, por encarecer desmesuradamente os projetos, sem ganho algum
em comparação com os que fazemos por aqui.
E os passeios? Aqui em Perfurações, salvo em raras exceções, adotamos a sábia
prática do mínimo necessário. Nossos passeios de no máximo 1,5 metros refletem
nosso compromisso com esta sábia lição de vida, enquanto que na Asbórnia passeios
de 2, 3 e 4 metros, são a tônica geral! Depois não sabem o que fazer com tanto espaço
à toa, e ficam gramando e ajardinando grandes porções deles, o que, creio eu, deve
terminar por atrapalhar quem se aventura a andar por eles.
Outra coisa que me prejudicou muito em minhas andanças por lá foi a profusão de
verde e os recuos das residências. Haviam ruas onde nem mesmo se viam as casas!
Este é um problema que praticamente não existe em Perfurações. Compare.
O resumo, é que os asbórnios, estranhamente, parecem priorizar diferente da gente.
Aqui em Perfurações, nada como um automóvel novo e reluzente, de preferência com
um engate na trazeira, que nos atenda servilmente faça chuva ou faça sol. Na
Asbornia eles definitivamente estão em outra, já que não descobriram ainda que o
verdadeiro sentido da vida anda sobre quatro rodas, e o resto, é o resto.
Aqui, definitivamente o progresso econômico, se traduz em melhores condições de vida
para todos, e dá um prazer danado apreciar tanto progresso. Pode colocar dinheiro na
mão da gente, que nós sabemos o que fazer com ele!
O fato é que esta mania besta deles de fazer as casas com cara de casa, termina por
se alastrar também no ramo das construções comerciais, e o desperdício e a
concentração de esforços em coisas inúteis invade esta importante componente da vida
da cidade.
Compare como aqui em Perfurações adotamos um estilo sólido e objetivo, que atende
melhor às necessidades dos nosso intrépidos comerciantes, que tanto fazem por
nossas comunidades.
Também são muito prejudicadas as indústrias da Asbórnia. Principalmente aquelas
próximas às estradas, se sentem envolvidas em uma mania sem sentido de busca por
boa apresentação, de forma que exageros de gramados, afastamentos, jardins e
construções bonitas só servem para penalizar ainda mais a combalida indústria local.
Enquanto isto, aqui em Perfurações, nossos industriais sabem muito bem que todo seu
esforço deve ser concentrado apenas na busca do lucro que sustenta a todos nós, e
que estas coisinhas periféricas definitivamente não interessam.
As indústrias mostradas nestas duas fotos têm alguns produtos em comum, mas vejam
como nós somos muito mais objetivos.
A mesma observação vale para o ramo comercial. Aqui também, os asbórnios passam
longe da objetividade sóbria e elegante das construções comerciais vistas ao longo de
nossas estradas. E olha que não parece ser falta de dinheiro, deve ser falta de outra
coisa. Não dá prá entender, aonde eles querem chegar com isto. Afinal, quando a sêde
aperta, a gente para aonde tiver água e o resto, é conversa mole prá boi dormir.
E por falar em estradas, a Asbórnia se especializou em estradas bonitas, como se
fizesse diferença viajar em estrada feias ou lindas. O que importa de fato em uma
estrada, é que ela sai de um lugar e chega no outro. Esta estória de ficar gramando,
ajardinando e arborizando os acostamentos, canteiros, laterais e taludes, só serve
para aumentar o preço dos pedágios e distrair a atenção dos motoristas, cansando-os
com um movimento ocular e pescoçal desnecessário, de tanto ficar olhando prá cá e prá
lá. Nós aqui nas Generais não distraímos nossos motoristas.
Como se vê, a má fama do sistema rodoviário da Asbórnia é, definitivamente, agravada
pelas construções que se vêem ao longo das estradas. Sejam as construções de
residências, sejam as construções de comércio.
Outra oportunidade perdida pela Asbórnia, e que Perfurações tão sabiamente aproveita
em todo seu potencial, é aquele de se valer das faixas de domínio das estradas, para
minimizar a emergente questão da falta de moradia. Aqui, permitimos e (porquê não?)
incentivamos esta ocupação cabocla, que tanto vem matando dois coelhos com uma só
cacetada: abrigando com qualidade e embelezando nossas estradas.
E se vocês acham que esta mania de casas com cara de casa não afeta o próprio
governo da Asbórnia, vocês se enganam redondamente. Apenas para ilustrar flagramos
um posto policial em uma pequena cidade de beira de estrada. Compare com o estilo
objetivo e econômico daqui de Perfurações em situação idêntica. Mais que isto! Vejam
como em Perfurações a policia sabe fazer muito bem o dever de casa e já começa por
se proteger adequadamente, transmitindo uma segurança, paz e confiança aos nossos
cidadãos, de matar de inveja aos de lá.
O resumo disto tudo é que toda esta mania construtiva da Asbórnia, termina por segurar
o país, travando o seu desenvolvimento. Não é à toa portanto, que as pequenas e
médias comunidades da Asbórnia possuem um certo ar bucólico, meio conservador e
meio romântico que contrasta muito com o dinamismo construtivo e o modernismo nas
construções que as comunidades equivalentes daqui de Perfurações exibem.
E se vocês acham que os ricos da Asbórnia também não tem sua parcela de culpa
nesta doideira geral, estão mais uma vez enganados! Com a maior facilidade, dá prá
perceber um exibicionismo inútil e pernicioso das residências mais caras, que termina
por induzir os de menor poder aquisitivo a fazer o mesmo. Trata-se de uma
irresponsabilidade muito grande, já que com tamanha facilidade eles estão a incentivar
e facilitar o trabalho dos meliantes e dos amigos do alheio. Mas problema mesmo vai
ser, quando tendo roubado tudo que tem para ser roubado por lá, eles se voltarem para
Perfurações. Mas não vai ser a mesma moleza. Aqui nossos ricos sabem como proteger
uma residência.
Lá, eles dizem que as cidades são tão bonitas quanto forem as construções que a
compõem. E tratam de fazer construções bonitas e deixa-las a vista.
Este é pois o meu relato. Espero que ele sirva de alerta ao sofrido e sem esperanças
povo da Asbórnia e de votos de felicitações e de admiração ao povo de Perfurações
Generais, que eu tanto amo.
Julia de Adelaide
Ano de 2008