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Boletim de Iniciação Científica em Psicologia – 2003, 4(1): 77-91

Estudo de caso de um adolescente


atendido em psicoterapia com
enfoque fenomenológico
Auryana Maria Archanjo, Nicolau Tadeu Arcaro

Resumo: Este trabalho se refere a um estudo de caso bem-sucedido reali-


zado em clínica-escola com um adolescente de 17 anos, cujo comporta-
mento se apresentava adequado à sua faixa etária, mas que, no entanto, era
visto por ele e por seus familiares como inadequado. Foram realizados nove
encontros semanais nos meses de março a maio de 2003, com duração de
50 minutos cada, sendo trabalhados, sob um enfoque fenomenológico,
alguns pontos ligados à construção de identidade e à auto-imagem do clien-
te. Ao término do trabalho, pôde-se verificar uma melhora da auto-imagem
e maior autonomia em tomar decisões.
Palavras-chave: psicoterapia de enfoque fenomenológico; adolescência;
estudo de caso.

Case study about an adolescent in phenomenological


psychotherapy
Abstract: This work describes a successful psychotherapy of a 17 year-old
adolescent whose behavior was appropriate to his age but considered
inadequate by the client and his family. The work endured nine weekly
therapeutic sections that occurred from march to may of 2003. Some matters
about identity and self-image were worked in a phenomenological approach.
At the end, it was possible to observe a positive change in self-image and in the
client’s autonomy to make decisions.
Keywords: phenomenological approach psychotherapy; adolescence; case
report.

Introdução
Primeiramente, o objetivo da apresentação deste trabalho se relaciona ao sucesso
alcançado, em curto espaço de tempo, no atendimento de base fenomenológica rea-
lizado em clínica-escola a um adolescente.
Além disso, uma vez que abordagens fenomenológicas têm sido pouco enfatizadas
na maioria dos cursos de graduação em psicologia, apresentá-las como prática psico-
terápica pode contribuir como meio de ilustrar um tipo de conduta característica das
mesmas.
O tema adolescência é caracterizado por diversos autores (LEVISKY, 1998; DAVIS,
FIORI e RAPPAPORT, 1982; GALLATI, 1978) como sendo um período da vida permea-
do por conflitos familiares, crise de identidade, oscilações de humor, enfim, por inú-

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meros fatores que formariam uma espécie de “perfil adolescente”. Tal perfil incluiria,
ainda, a vestimenta, a linguagem e a conduta próprias dessa fase.
Erik Erikson (citado por DAVIS, FIORI e RAPPAPORT, 1982, p. 20) utiliza o termo
“crise psicossocial” para definir esta etapa do desenvolvimento. Para o autor, a ado-
lescência, que possui uma faixa etária relativamente definida, é o momento em que o
indivíduo está pronto para fazer certo tipo de aquisição, a qual pode se adaptar ou não
ao ambiente em que se está inserido.
Erik Erikson (citado por GALLATI, 1978) coloca a idade da adolescência, que chama
de “identidade versus confusão de papéis”, entre as oito idades que estabelece para
o ser humano, caracterizada como um período “crítico”, pois é o momento em que o
indivíduo deverá refletir e avaliar que tipo de pessoa ele foi no passado, é no presente
e, provavelmente, será no futuro. É com esta análise que se processa a formação da
identidade, uma vez que o adolescente irá recapitular tudo o que já experienciou e ante-
cipar o que, hipoteticamente, está por vir. Pode-se dizer que, juntamente com a cons-
trução da identidade, o adolescente também está tentando definir nesta etapa do
desenvolvimento sua auto-imagem.
Contudo, o adolescente não está sozinho neste período de crise. Juntamente com
ele está todo um contexto social envolvendo familiares e amigos. Os pais, pessoas teo-
ricamente mais próximas, estarão envolvidos diretamente nessa fase de vida do filho,
pois também acabam revivendo as crises pelas quais passaram em sua juventude: se
os conflitos passados foram bem suportados e se suas opções e escolhas foram coe-
rentes e significativas, a relação que se estabelecerá entre pais e o adolescente será de
maior segurança e respeito nas escolhas que este venha a fazer. Da mesma forma, o
filho poderá adquirir uma imagem positiva dos pais, que lhe proporcionaram a prote-
ção necessária para que, nesse momento, tivesse maior segurança para construir sua
própria independência (DAVIS, FIORI e RAPPAPORT, 1982).
No entanto, conflitos familiares sempre existirão, uma vez que o desejo de conquis-
ta da autonomia se faz permeado por mudanças individuais (construção da identida-
de), biológicas (perda do corpo infantil) e sociais (relações grupais, profissionais etc.)
(ERIK ERIKSON citado por GALLATI, 1978).
Citando Davis, Fiori e Rappaport (1982, p. 102-103),

[...] na adolescência o sujeito deve romper uma série de ligações que o prendiam ao
mundo infantil. Para tanto, o relacionamento com os pais será bastante abalado, pelo
questionamento que o adolescente fará de seus progenitores, de seus códigos de valo-
res, de seu estilo de vida, de seus hábitos sexuais e sociais, de sua fé, de sua ideologia.
Este questionamento geralmente cria um ambiente de tensão intrafamiliar, porque é
feito de maneira agressiva, desorganizada, por uma personalidade que está desestrutu-
rada, que está numa situação de busca de si mesma. Os pais, habituados a outro padrão
de relacionamento desde o nascimento do filho, de modo geral sentem-se ansiosos,

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magoados e desorientados, sem saber muito bem como atuar em relação aos filhos ado-
lescentes. Isto porque a adolescência dos filhos representa uma época de mudança tam-
bém para os pais. Muitos deles revivem os conflitos de sua própria adolescência, seu
próprio relacionamento traumático com os pais, suas indefinições quanto à escolha de
uma carreira etc.

As relações que se estabeleceram com os pais desde a infância servirão de base


“para uma interação social adequada no grupo de companheiros, [...], e terão uma
influência duradoura em toda a interação social posterior” (DAVIS, FIORI e RAPPAPORT,
1992, p. 37). Assim, além dos pais, o grupo também exercerá um papel importante na
construção da identidade do adolescente. É na identificação com o grupo que será
depositada parte da dependência familiar, permitindo maior segurança na definição de
se saber quem é. Neste mesmo contexto também haverá questionamentos sobre o que
é certo ou errado, bom e ruim. Com isso, um adolescente dito comportado pode
adquirir atitudes agressivas ou mesmo destrutivas quando em grupo. Mas tais condu-
tas não podem ser encaradas como desajustadas ou patológicas se forem atos breves
(DAVIS, FIORI e RAPPAPORT, 1982).
Knobel (citado por DAVIS, FIORI e RAPPAPORT, 1982) define as atitudes adolescen-
tes como “síndrome da adolescência normal”, embora aos olhos da sociedade elas
sejam consideradas anormais. Como exemplo delas podemos citar não somente mani-
festações agressivas ou destrutivas, mas também oscilações de humor, em que ora o ga-
roto ou garota estão sorridentes em grupo, ora, de repente, se fecham em seu mundo,
irritadiços e tristonhos. Muitos podem confundir tal comportamento como estado de-
pressivo, contudo, deve-se considerar que o adolescente passa por uma fase de perdas e
mudanças que o deixam confuso e suscetível a alterações bruscas de humor e conduta.
Levisky (1998, p. 25) coloca que há em todo esse processo uma violência constru-
tiva, que permite ao adolescente expressar sua criatividade e inserção social, pois,
“quando a sociedade lhe oferece meios socialmente adequados para suas manifesta-
ções de auto-afirmação, o processo, apesar de turbulento, pleno de paixões, edifica a
personalidade e a auto-estima”. No entanto, apesar de o adolescente atual viver sua
rebeldia como membro transformador da sociedade, os meios formadores levam o
jovem a valorizar a conquista do prazer imediato e de uma aparente independência.
Souza (2003) coloca que essa dissolução da individualidade faz com que a realida-
de seja aceita incondicionalmente, inclusive em situações que geram insatisfação.
No entanto, para que o jovem alcance seus próprios valores e construa sua auto-
imagem, ele necessita de contraposições. “O esmaecimento dos limites, dos valores, dos
costumes, da ética e da moral geram confusão, indiferença e sentimentos de impotên-
cia prejudicando a estruturação egóica do jovem [...]” (LEVISKY, 1998).
O estudo de caso a seguir ilustrará por meio de trechos dos atendimentos psicote-
rapêuticos algumas questões relacionadas à adolescência, que perpassam por relações

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familiares conflituosas, dicotomia dependência-independência, desejo de autonomia,


identificação grupal, oscilações de humor e condutas destrutivas, as quais na concep-
ção da sociedade podem ser vistas como psicopatogênicas. Conforme será relatado,
considerar as peculiaridades da adolescência nos âmbitos psíquico, social, familiar e
individual pode contribuir para que o adolescente se insira na fase adulta de uma
forma que tanto satisfaça a ele quanto permita uma adaptação adequada aos valores
e normas sociais.

Apresentação e análise do caso


Objetivos
Primeiramente, o objetivo da terapia foi ouvir o cliente em sua queixa e experiências
vivenciadas, com o intuito de tentar experienciar como ele próprio se via e se sentia
diante de tais situações. Após isso, a partir do discurso formulado pelo cliente, foram
feitas colocações que promovessem sua reflexão quanto ao que estava sendo dito, a fim
de poder ampliar seu foco de visão para as diversas possibilidades de escolhas e pontos
de vista que poderia haver sobre sua fala. Dessa forma, o objetivo era retirar o cliente
de posições fechadas em que ele se colocava, o que o impedia de assumir e escolher
por si só outras formas de agir em relação a um mesmo assunto ou experiência vivida.
Ao final de cada sessão sempre era deixado para reflexão um assunto emergente
naquele dia, a fim de ser trazido pelo cliente no encontro seguinte.

Método
O trabalho se desenvolveu na clínica-escola de psicologia de uma universidade da
cidade de São Paulo nos meses de março a maio de 2003, sendo realizado em número
de nove sessões, com supervisão semanal embasada em abordagem fenomenológica.
Os atendimentos foram realizados uma vez por semana, com duração de 50 minu-
tos, tendo como cliente um adolescente de 17 anos, o qual será chamado de V.

Histórico pessoal
A infância do cliente foi marcada por certa desestruturação familiar, uma vez que
seus pais se separaram quando ele tinha 3 anos de idade. Entre 3 e 9 anos ele e seus
dois irmãos – uma menina mais velha e um menino mais novo – conviveram mais com
a avó, pois sua mãe trabalhava o dia todo e quando os encontrava eles já estavam dor-
mindo. Neste período ainda havia contato com o pai, o qual residia no litoral.
Na escola, o cliente disse ter sido “terrível”, relatando que sempre criava confusões,
mas dava um jeito de a culpa recair sobre os amigos. Quando criança preferia brincar
e ficar sozinho e na pré-escola a mãe foi chamada algumas vezes devido a esse isola-
mento, sendo que a resposta dada era que ela havia se separado recentemente e esse
fato poderia ser o motivo da conduta do cliente. Nesta fase havia brigas com o irmão,
fato que ocorria até a época de terapia. No entanto, o relacionamento com a irmã

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sempre foi bom. Foi dito nunca ter gostado de futebol e videogame, utilizando com-
putador para ver e-mails e fazer alguns programas, já que era programador.
Com 9 anos, o cliente sofreu um acidente de bicicleta e ficou uma semana na UTI,
devido a fratura na clavícula e inchaço no cérebro. Disse que ainda fazia exames, mas
nenhuma alteração havia sido constatada.
Quando o cliente tinha 10 ou 11 anos, ele e seus irmãos estavam na casa do pai,
no litoral, e este acusou-os de roubo de uma foto de sua filha com a segunda esposa.
Como a foto não apareceu, houve uma discussão que culminou na expulsão do clien-
te e de seus irmãos da casa pelo pai. A partir daquele momento cessou o contato entre
eles. O cliente relatou que a desconfiança do pai pode ter relação com sua conduta,
naquela época, de pegar dinheiro de familiares (mãe, avó, padrasto) sem avisar.
Nesse período, a estrutura familiar se alterou, pois sua mãe se casou novamente,
porém, com consentimento de todos os filhos. O cliente dizia ter um bom relaciona-
mento com o padrasto.
Na adolescência, entre 13 e 15 anos, o cliente relatou fazer bombas com um amigo
e estourar em muros. Por esse motivo, passou por um processo judicial, mas saiu ileso,
pois disse ter inventado uma história que convenceu o juiz. Nessa época, fumou por
cerca de 2 meses, mas relatou nunca ter mexido com drogas. Parou de sair com esse
amigo das bombas justamente porque o mesmo lhe ofereceu maconha. Disse que não
tinha mais contato com ele e que, juntamente com seu pai, não conseguia olhar no
rosto desse garoto.
Quanto às relações com o sexo oposto, o cliente disse ter ficado com várias garo-
tas, mas namorado apenas duas. Teve sua primeira relação sexual aos 16 anos com uma
garota que conheceu pela Internet, mas não tinha mais contato com a mesma. Disse
ter sido uma experiência boa e sem planejamento. Depois disso não se relacionou se-
xualmente com mais ninguém.
Em relação à religiosidade, o cliente relatou que sua família era testemunha de
Jeová e que ele freqüentou a igreja quando tinha 15 e 16 anos. Pela época da terapia
somente comparecia vez ou outra, pois pensava que eles faziam discriminação socioe-
conômica entre os fiéis.
Quanto a relacionamentos pessoais, o cliente relatou não ter amigos importantes.
Foi dito que os amigos que tem são mais velhos. Falou que não se sentia bem em locais
com muitas pessoas, pois não tinha assuntos. Gostava de falar sobre finanças e eco-
nomia, mas as pessoas preferiam falar de mulher e futebol.
Com sua mãe havia dificuldades de conversar. No entanto, com a avó (falecida em
1999) a abertura era maior. Foi hipotetizado pelo cliente que isto ocorria porque não
teve muito contato com a mãe na infância e sim com a avó.
Quanto ao pai, disse que era muito parecido com o mesmo, tanto no físico quan-
to em suas condutas. Era falado que a convivência entre os dois sempre foi de “ruim
a satisfatório” (sic), ou seja, quando eles não discutiam, apenas se cumprimentavam

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com “bom dia” ou “oi”. No começo de 2003, o cliente disse ter sido a primeira vez
que ligou para o pai depois da briga aos 11 anos. Falou que queria xingá-lo, mas ele
não estava em casa. Preferia evitar encontrá-lo, mas sentia que o pai estava tentando
uma aproximação por vias indiretas (avó, tia). Disse achar que o pai não gostava dele
devido a essa semelhança entre os dois.
O cliente disse não ter orgulho de suas atitudes passadas (acidente com a bicicle-
ta, soltar bombas) e relatou que, quando pensava em cenas da infância e adolescên-
cia, somente se lembrava de fatos que, para ele, eram negativos.

Questões existenciais apresentadas pelo cliente e compreensão


fenomenológica do caso
Quanto à queixa assinalada pelo cliente – “revoltado” e de fácil irritação com as
pessoas –, não se pode desconsiderar o período de vida pelo qual ele estava inserido,
ou seja, a adolescência. Ser ou estar irritado ou nervoso com familiares ou outras pes-
soas de seu convívio corresponde a um fator ligado ao “mundo próprio” (FORGUIERI,
1993) do jovem nessa faixa etária, pois é por intermédio dessas relações estabelecidas
com o “mundo humano” (FORGUIERI, 1993) e também com o “mundo circundante”
(FORGUIERI, 1993) que será possível a construção de uma identidade que permita à
pessoa descobrir e reconhecer a si mesma, bem como atualizar suas potencialidades.
Juntamente com a queixa, foram relatados episódios de destrutividade voltada para
o meio externo, os quais, em um primeiro momento, foram ligados ao relacionamen-
to conturbado com o pai e à necessidade de chamar a atenção. Na primeira sessão de
atendimento, por exemplo, o cliente relatou o seguinte:

Aos 10, 11 anos de idade, ele (cliente) estava com seus dois irmãos na casa do pai no
litoral e sumiu uma foto do batizado de sua irmã paterna (fruto de um segundo casa-
mento). O pai acusou os três filhos de terem roubado a foto e se não devolvessem ele
iria chamar a polícia [...] No dia seguinte eles (cliente e irmãos) ligaram para a mãe em
São Paulo e contaram o ocorrido. Ela ficou brava e falou que iria pegá-los naquela hora
[...] o pai retornou para casa (do trabalho) e brigou com os três filhos, falou vários pala-
vrões e disse para eles saírem de casa.
[...]
[...] depois disso os filhos não conversaram mais com o pai.
Após estes fatos, o cliente disse que sua irmã começou a namorar um rapaz e ele ficou
amigo do irmão deste menino. Os dois começaram a fazer bombas e estourarem nos
muros ao redor de sua residência.
[...]
com alguns colegas e junto com o irmão do namorado de sua irmã, o cliente começou
a retirar os alto-falantes do local (um clube do qual era sócio).
[...]

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Depois dos alto-falantes, eles resolveram cortar os fios de telefone. Segundo o cliente, o
clube ficou uma semana sem comunicação, porque eles cortaram todos os fios existentes.

Dessa forma, houve a tentativa de inserir esses comportamentos dentro da realida-


de existencial do cliente, não os interpretando ou colocando como fatos isolados. Ou
seja, foram considerados acontecimentos passados trazidos na fala do cliente, bem
como expectativas futuras quanto ao seu modo de ser, uma vez que

“a realidade para o ser humano está originariamente fundamentada na compreensão


que ele tem das situações que vivencia, nela estando implícitas as três dimensões tem-
porais de seu existir: como ele tem sido (passado), como está sendo (presente) e como
poderá vir a ser (futuro)” (FORGUIERI, 1993).

Com isso, foi possível perceber que o cliente tinha uma imagem negativa de suas
condutas passadas e do seu próprio modo de ser futuro, muito parecida à maneira
como ele percebia o modo de ser do pai. Estas sensações o levavam a ter um olhar
negativo de si mesmo, gerando insegurança quanto a suas reais possibilidades de esco-
lha e à resolução e superação de certas situações conflitantes. Dessa forma, “contar
histórias” era uma maneira encontrada pelo cliente de evitar entrar em contato com
seus sofrimentos, como se pode observar pelo segmento do relato da terceira sessão
apresentado abaixo:

O cliente chegou no horário indicado falando que brigou com sua mãe. Perguntado
sobre o que se passou, ele disse que não queria falar sobre o assunto. Dessa forma, foi
colocado que na semana anterior ele também não queria falar sobre algo que não o dei-
xou bem. Da mesma forma, podia-se perceber que o cliente estava contando várias his-
tórias pelas quais passava, talvez, como uma forma de ele deixar de lado coisas que
realmente o estavam incomodando. O que ele dizia era importante, mas parecia existir
outras questões que ele sabia que iriam gerar certo sofrimento e que, talvez, nem ele
soubesse como seria sua reação ao tocar nelas e, por isso, preferia deixar de lado [...] o
cliente disse ter brigado com suas duas últimas terapeutas sempre nas últimas sessões.
Contou que no último dia que iria encontrar uma de suas terapeutas, disse que não havia
falado 65% de sua vida a ela. A mesma propôs, então, que eles deveriam continuar com
mais sessões, porém, ele falou que existem coisas que são suas e que não falaria. Foi
colocado que realmente existem questões somente nossas, que não queremos compar-
tilhar com ninguém, no entanto, que nós estávamos ali para um processo psicoterápico
e que era importante que ele pudesse se abrir [...]
Assim, o cliente começou dizendo que na semana anterior não estava bem, porque
seu professor de Sociologia havia feito uma aula de relaxamento [...] e pediu para os alu-
nos relembrarem sua vidas desde a gestação e o cliente disse não ter se sentido bem com
algumas coisas que havia lembrado (falou somente isso e mudou de assunto).

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V. relatou estar nervoso no sábado, pois não tinha dinheiro para sair [...] Por volta das
7 horas da noite não suportava mais ler e deu um murro na porta do guarda-roupa, que-
brando-a [...] como já havia dito de sua discussão com a mãe no dia anterior, foi pergun-
tado sobre como havia sido tal discussão. Ele disse que sua mãe ficou insistindo para ele
ir à igreja com ela, mas o cliente não queria. Falou que seu irmão de 15 anos ao ver que
ele não iria começou a provocar dizendo que se V. não fosse ele também não iria. V. disse
que a insistência foi grande, mas que disse a mãe que já estava para fazer 18 anos e
sabia o que era melhor para si.
[...]
Como V. não havia se aprofundado em seu mal-estar na aula de Sociologia, foi
perguntado os fatos que ele havia se recordado e que não o tinham deixado bem. Ele
disse ter lembrado do dia que seu pai foi embora (separação dos pais) [...] Também
relembrou do acidente que o deixou na UTI e de todas as histórias de bombas que
havia soltado e dos muros que havia destruído. Assim, percebeu que somente havia
lembrado coisas ruins que haviam acontecido com ele, diferentemente de seus amigos,
que contaram somente coisas boas. Relatou não ter orgulho de nada que fez e que,
talvez, não tivesse feito nada daquilo se não fosse a influência de D. (irmão do namo-
rado da irmã de V.), apesar de achar que “quando um não quer, dois não fazem” (sic).
Contudo, disse que talvez tivesse feito, mesmo que sozinho, porque eram coisas novas
para ele.
Foi colocado que nas outras sessões V. havia relatado tais histórias “achando graça”
(ria muito ao relembrá-las), mas que agora parecia que eram coisas que ele via como
negativas. Também foi dito que a cena de seu pai indo embora o marcou bastante.
V. disse que as duas pessoas que ele não conseguia se dar bem e olhar na cara eram
seu pai e D. [...] disse ser muito parecido com seu pai tanto de gênio quanto fisicamen-
te [...] sente que o pai não gosta dele por saber que os dois são parecidos [...] disse que
simplesmente sente isso, pois nunca teve um pai para ensiná-lo andar de bicicleta ou
para ele falar sobre sua primeira namorada ou relação sexual.

Na quarta e na quinta sessão o cliente voltou a falar sobre o pai:

Quarta sessão:

[...] Foi dito ao cliente que mesmo ele dizendo que seu pai era algo do passado, ele sem-
pre estava comentando sobre ele, mesmo que estes comentários estivessem relaciona-
dos com fatos que V. considerava negativos. Isso talvez tornasse seu pai uma pessoa
bastante presente. Assim, foi perguntado, quando V. dizia não conseguir olhar na cara
do pai, quais lembranças ele trazia e como ele se sentia em relação a elas. V. disse que
se via em seu pai; seus amigos, mãe e ele mesmo se consideravam parecido com o pai
[...] Perguntando o que ele pensava ao se ver tão parecido com o pai, V. disse que se via

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futuramente igual ao pai, mas que quando ele tiver um filho não quer que seja igual a
ele (o pai).

Quinta sessão

Foi falado que, se V. não gostava do modo como seu pai era, mas se achava muito pare-
cido com ele, isso poderia dizer que ele não gostava do seu próprio modo de ser (V. falou
“é...” como se não tivesse pensado nisso). Então, seria importante ele começar a pensar
o que realmente o incomodava em si e quais seriam suas qualidades.

Segundo Forguieri (1993, p. 49), o não reconhecimento e aceitação da insegurança,


paradoxos e limitações da existência levam as pessoas que assim agem a se sentirem con-
fusas, desanimadas, alheias ou revoltadas diante deles. A autora ainda coloca que, “nos
momentos de intenso sofrimento, é comum a pessoa sentir-se sozinha e distanciada, não
apenas das situações concretas, mas, principalmente, de seus semelhantes” (FORGUIERI,
1993, p. 54). E estes eram fatores trazidos constantemente pelo cliente, tendo o agra-
vante do período da adolescência, em que a influência do meio externo é bastante sig-
nificativa, como se pode constatar pelo relato abaixo, extraído da sexta sessão:

O cliente disse haver pensado nas qualidades que poderia ter, mas não conseguiu
encontrar nada. Disse ter ficado o fim de semana todo pensando sobre o assunto. Como
não conseguia descrever suas qualidades, ligou para A. (garota com quem estava fican-
do) e perguntou a ela quais eram suas qualidades e defeitos. Assim, A. disse que ele era
legal, compreensivo, amoroso, amigável e carinhoso, mas que também era chato. V.
disse que era chato, porque não vestia qualquer roupa, não comia em qualquer lugar e
não saía com qualquer pessoa.
(Comentário) Perguntando se V. se via com estas qualidades citadas por A., ele disse que
é assim somente com ela, pois já a conhecia há bastante tempo e não seria da mesma
forma com outro. Disse pensar já ter sido assim com uma pessoa em quem confiou, mas
esta não correspondeu. Ele disse que esta outra pessoa era seu pai.
V. relatou não ter estas qualidades com outras pessoas, mas que já foi desta forma. Disse
que ele sentiu ter mudado de janeiro de 2002 em diante, quando se tornou mal-humo-
rado, irritado e nervoso [...] Quando não está bem se tranca no quarto e fica ouvindo
música ou pensando no escuro para não incomodar ninguém. Não sabe dizer se ocorreu
algo significativo que possa ter levado a esta “mudança de humor”.
[...]
Disse que nunca confiou 100% em alguém. Desde pequeno preferia ficar sozinho. V.
disse que sua última psicóloga falou que ele agia desta forma, sem confiar nas pessoas,
porque se sentiu abandonado quando seu pai foi embora e que agora ele pensa, incons-
cientemente, que as pessoas irão abandoná-lo. V. disse não concordar nem discordar do

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que ela disse, mas falou que com a garota com a qual namorou por quase dois anos tam-
bém era carinhoso e compreensivo, mas devia confiar no máximo 60% nela.

O próprio distanciamento, desânimo e revolta relatados pelo cliente, associados a


sua auto-imagem negativa e pouca autonomia sobre suas escolhas, podiam ter rela-
ção com o início de um tratamento psiquiátrico e administração medicamentosa, uma
vez que ele mesmo colocava o desânimo e o distanciamento como sintomas de de-
pressão, o que poderia aumentar a sua auto-imagem negativa. Dessa forma, ele aca-
tou ao tratamento psiquiátrico sem analisar se realmente era necessário ou não para
si próprio. Contudo, esse tratamento foi considerado desnecessário diante das relações
adaptativas vivenciadas pelo cliente e que, aparentemente, lhe traziam satisfação e
não pareciam se relacionar com qualquer quadro psicopatológico, mas, sim, a expe-
riências sentidas por qualquer outro adolescente. Neste caso, a mãe parecia exercer
forte influência em relação a uma imagem de “filho problemático”. É ela que sugeriu
e procurou um psiquiatra para início de tratamento medicamentoso ao rapaz, confor-
me exposto nas quarta, quinta e sétima sessões:

Quarta sessão

[...] Quanto a suas discussões com a mãe, ele (V.) disse que anda impaciente e fica a
maior parte do tempo trancado em seu quarto. Porém, sempre tem alguém o chaman-
do ou o incomodando. Disse que na quinta-feira teve uma conversa com sua mãe e a
mesma ficou assustada. Ela perguntou como seria para V. caso seu pai visitasse sua casa.
O cliente disse que não deixaria o pai sentar em sua cama e se viesse em seu quarto daria
um soco em sua cara e que para ele seu pai era passado em sua vida. Com isso, V. disse
que sua mãe marcou um psiquiatra para ele.

Quinta sessão

O cliente [...] iniciou falando que havia ido ao psiquiatra. V. disse ter gostado do atendi-
mento e que foram feitas perguntas relativas a dados pessoais e ao seu relacionamento
familiar. V. disse que a psiquiatra gostou de ele estar fazendo psicoterapia [...]. Ele tam-
bém relatou que sua mãe já foi atendida por esta mesma médica e diagnosticada com
transtorno de ansiedade generalizada. A médica havia dito que ele estava um pouco
deprimido e receitou paroxetina 20 mg, um comprimido ao dia.

Sétima sessão

[...] V. disse estar se sentindo melhor com o remédio que estava tomando. Foi colo-
cado o que ele pensava sobre o fato de sua mãe querer que ele fosse ao psiquiatra e

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tomar remédio. V. disse achar que precisava, pois não estava comendo direito e não que-
ria fazer nada, somente ficar em casa. Foi colocado que, ao longo dos atendimentos psi-
coterápicos, foi percebido que ele se colocava como um adolescente “normal”, que
tinha amigos, namorava, saía para se divertir e que não demonstrava nenhum fato que
fosse muito diferente de qualquer outro adolescente. Mesmo os casos passados de
estourar bombas [...] não deixavam de ser atitudes tomadas por diversos outros garotos
de sua idade. Era lógico que, a partir do momento em que se colocava em risco a vida
de outras pessoas já não era mais um “peripécia”, contudo, não era o seu caso. Porém,
ele tendia a ver todos os acontecimentos passados como algo negativo, o que não neces-
sariamente o era. Com isso, foi colocado que seria interessante ele começar a pensar no
que realmente ele sentia como necessário para sua vida [...], pois quando as pessoas
falassem ou dessem suas opiniões, ele poderia filtrar o que ele achava relevante para si.

Diante dessas questões e retomando o assunto da destrutividade, iniciou-se um


trabalho fenomenológico que permitisse ao cliente refletir sobre seu modo de ser no
mundo, a fim de analisar, relacionar e compreender melhor seus conceitos, idéias e
significados dados ao mesmo. O objetivo foi permitir que o cliente ampliasse suas
possibilidades de escolhas, uma vez que “nós somos o que escolhemos ser” (SARTRE
citado por MAY, 1973, p. 132), mas também temos a influência do meio social sobre
nossas escolhas.
Assim, foi considerada a própria fase da adolescência como ponto de partida para
ampliar a consciência do cliente. A partir dos pontos tidos como negativos para ele, foi
colocado o que havia de positivo no negativo. Dessa forma, se as atitudes destrutivas
eram vistas como negativas, foi colocado o quanto elas poderiam ser naturais quando
adolescente, como forma de ser aceito por um grupo, de testar limites e mesmo de
experienciar normas e regras sociais, conforme exposto no seguinte trecho do relato
da sétima sessão:

Foi colocado que era natural nesta fase (adolescência) ele ser influenciado por ami-
gos, pelo grupo, por familiares, pois ele também estava revendo várias questões para
constituir sua identidade adulta. Mas que, no entanto, era necessário ele começar a se
perceber mais, perceber suas condutas e reações diante das atitudes e falas de outras
pessoas para poder formular as suas opiniões de forma mais crítica e a partir do que ele
realmente via como bom para si. V. falou que não confia em sua mãe e prefere guardar
o que é seu para si. Foi colocado que não é somente com a mãe que V. era “fechado”,
mas com as pessoas no geral e que este fato parecia ser algo característico dele e não
um problema. A questão não era confiar ou deixar de confiar e que não querer falar de
sua vida para as pessoas era diferente de acatar o que elas falavam [...]. O que as pes-
soas falavam acabava influenciando na decisão de qualquer pessoa, mas o que é ouvido
e solicitado por um outro poderia ser acatado apenas como uma possibilidade. Quem iria

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Auryana Maria Archanjo, Nicolau Tadeu Arcaro

avaliar o que era melhor ou pior para si era ele mesmo (V.). Mas, para isso, V. deveria se
olhar e tentar perceber suas reais vontades [...]
Ele relatou que nunca havia pensado em si por este lado, tentando identificar suas
qualidades, pois sempre deu muita ênfase a seus defeitos. Disse que, no momento, sen-
tia vontade de sair de casa, que não queria mais morar com sua mãe e irmãos e queria
ter sua vida. Assim, foi comentado que era natural nesta idade, em que ele se encontra-
va quase na maioridade, querer sua independência, que também com a psicóloga havia
sido desta forma, pois havia saído de sua cidade para estudar e tudo o que mais queria
era fazer suas próprias coisas. Com isso, era importante V. perceber que este sentimen-
to não era muito diferente do sentido por diversos outros adolescentes.

Knobel citado por Rappaport (1982, p. 39) já dizia que, no grupo, além de se depo-
sitar parte da dependência familiar, também se pode experienciar a crueldade e a vio-
lência como forma de o adolescente se defrontar “com suas fantasias destrutivas, para
em seguida poder dominá-las”.
Mesmo o “bater de frente” com o pai poderia não ser fruto apenas de uma atitu-
de revoltada e imatura, mas também uma forma de dizer o quanto este pai era impor-
tante e o quanto fazia falta sua presença.
Os conflitos com a mãe e irmãos e o desejo de independência, também colocados
como negativos, foram exemplificados pela experiência da própria estagiária, uma
jovem que passou pelos mesmos problemas, mas os superou.
Tais conflitos familiares exacerbados na adolescência são colocados por Cassorla
(1998) como uma vivência de pais e filhos. Os primeiros, porque podem tanto se orgu-
lhar do crescimento dos filhos, quanto invejá-los por sentirem que os mesmos possam
ter uma vida melhor do que tiveram. Já os adolescentes, ao mesmo tempo que que-
rem se afastar dos pais e construir sua independência, ainda se sentem inseguros e
vêem a família como protetora de obstáculos e sofrimentos.
Quanto à autonomia de escolhas, o trabalho foi voltado a uma maior reflexão do
cliente quanto à importância de se conhecer. Mais uma vez a adolescência foi retoma-
da como um período em que o jovem influencia e é influenciado por amigos e fami-
liares, mas que era importante o cliente perceber que, mesmo sendo influenciado pelo
meio externo, havia a necessidade de “filtrar” e selecionar as opiniões que realmente
faziam sentido com suas vontades e necessidades. Para tanto, era preciso estar sem-
pre se percebendo em suas vivências e sensações, ou seja, se conhecer para poder
tomar decisões autônomas, que fossem escolhidas de acordo com o que importava
para si. Esse trabalho remeteu a atitudes, tomadas pelo cliente, que não foram anali-
sadas pelo mesmo, mas apenas acatadas, tais como a administração de medicamento
e seu conceito de estar deprimido.
Ao final do trabalho foi possível tanto ampliar um pouco da consciência do cliente
quanto permitir uma maior autonomia de ação, criando condições para que ele deci-
disse pelo que genuinamente lhe era importante.

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Estudo de caso de um adolescente atendido em psicoterapia com enfoque fenomenológico

V. faltou à oitava sessão e compareceu à nona. Esse fato foi considerado, hipoteti-
camente, como um período necessário de elaboração pelo cliente dos conteúdos tra-
balhados.

Nona sessão:

O cliente chegou meia hora atrasado à sessão. Ele começou falando que havia parado
de tomar o medicamento fazia uma semana [...]. Disse ter tomado esta decisão devido às
conversas que havíamos tido na última sessão. Falou ter pensado melhor e percebido que
não tinha nada e que era um adolescente normal, que sua fase depressiva foi momentâ-
nea. Disse ter lido (em uma revista), que nove entre dez adolescentes têm depressão e que
percebeu ser natural da idade.
[...] Ele disse que estava se sentindo bem e que iria à psiquiatra encerrar os atendi-
mentos com ela [...] não pensava necessitar de remédio.
[...] Foi perguntado se era de seu interesse (de V.) permanecer no próximo semestre
[...] V. disse que preferia encerrar por aqui, uma vez que se sentia melhor. Disse “eu sou
apenas um adolescente normal” (sic) e que preferia não continuar os atendimentos.

Isso nos remete mais uma vez à fala de Forguieri (1993, p. 47), a qual dizia que “a
liberdade de escolher é tanto maior quanto mais ampla for a abertura do ser humano
à percepção e compreensão de sua vivência no mundo”.

Conclusões
De início, o atendimento parecia estar estagnado em assuntos trazidos pelo clien-
te que não contribuiriam de forma significativa para qualquer mudança. Aparente-
mente, ele tinha uma necessidade de falar sobre tais questões não somente como
desabafo, mas também como uma forma de evitar contato com outros fatores que o
afligiam e que por vezes eram explicitados em sua fala. Dessa forma, foi necessário
enfocar determinados conteúdos relatados por ele, remetendo-o constantemente à
reflexão sobre tais questões e evitando, com isso, que houvesse dispersões, as quais
sempre retornavam aos assuntos menos angustiantes. O relacionamento conturbado
com o pai e a sensação negativa que o cliente tinha de suas atitudes passadas bem
como de sua auto-imagem presente foram os principais temas abordados. Em certo
momento, foi colocada explicitamente ao cliente esta sua tendência de evitar tais
assuntos, fato confirmado pelo mesmo. A partir daí, foi possível estabelecer um vín-
culo baseado em maior confiança, possibilitando ao cliente trazer fatos importantes,
mas secundários, em sua fala. Conseqüentemente, também foi possível que ambos,
cliente e terapeuta, refletissem e ampliassem o campo de visão como forma de o
cliente perceber que poderiam existir várias formas de ver, sentir e experienciar uma
mesma história.

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Auryana Maria Archanjo, Nicolau Tadeu Arcaro

Como se tratava de um adolescente bastante influenciado pelas opiniões e decisões


tomadas por amigos e familiares, o papel da terapeuta foi bastante ativo no sentido
de refletir de maneira sistemática, junto com o cliente, as condutas acatadas por ele.
Por outro lado, ao mesmo tempo, a terapeuta formulava perguntas abertas que o
levassem a refletir por si só e não apenas receber idéias prontas, como ele fazia em seu
relacionamento com pessoas de seu convívio social. Neste sentido, o terapeuta tinha a
vantagem de estar vendo os acontecimentos “de fora”, fator que facilitava sua auto-
observação, a fim de não assumir apenas um papel de “amigo conselheiro”.
Diante de todos esses fatores e posturas da terapeuta, foi possível, ao final do tra-
balho, que o cliente tomasse decisões um pouco mais autônomas. Ele decidiu parar
com o medicamento que estava tomando, cancelar suas consultas com o psiquiatra e
também não continuar com a terapia no próximo semestre, fato que, no olhar da tera-
peuta, foi uma decisão importante, uma vez que, pelo menos momentaneamente, o
cliente pôde se perceber como um “adolescente normal” (sic) e escolher, dentre as
influências externas recebidas (não esquecer que a atitude do terapeuta também era
uma influência externa), aquelas que mais pudessem estar relacionadas com suas pró-
prias necessidades.
Finalizando, pôde-se concluir que o cliente se deu alta e que este fato foi de
extrema importância para uma pessoa que estava prestes a atingir a maioridade. Isso
porque, apesar de idade cronológica e psicológica se diferenciarem, não se pode
desconsiderar que atingir a maioridade na sociedade atual remete efetivamente a
mudanças psicológicas.
Dessa forma, para o cliente, talvez, a melhor atitude que ele poderia ter toma-
do neste momento foi decidir por si só que não mais continuaria a terapia. Para a
terapeuta, as expectativas remeteram ao que interessava, a satisfação do cliente. E
parece que este objetivo foi atingido neste momento, apesar do curto período de
atendimentos. Com isso, este trabalho também repercutiu em uma maior confian-
ça tanto no desenvolvimento do trabalho quanto na satisfação de ver os objetivos
atingidos.

Referências Bibliográficas

CASSORLA, R. M. S. Prefácio: refletindo sobre Pavlik Morozov. In: LEVISKY, D. L.


Adolescência: pelos caminhos da violência: a psicanálise na prática social. São
Paulo: Casa do Psicólogo, 1998.
DAVIS, C.; FIORI, W. R.; RAPPAPORT, C. R. (Org). Psicologia do desenvolvimento:
a idade escolar e a adolescência. São Paulo: EPU, 1981-1982. v. 4.
FORGUIERI, Y. C. Psicologia fenomenológica: fundamento, método e pesquisa.
São Paulo: Pioneira, 1993.

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Estudo de caso de um adolescente atendido em psicoterapia com enfoque fenomenológico

GALLATI, J. E. Adolescência e individualidade: uma abordagem conceitual da


psicologia da adolescência. São Paulo: Harbra, 1978.
LEVISKY, D. L. (Org.). Adolescência: pelos caminhos da violência – a psicanálise na
prática social. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998.
MAY, R. Psicologia existencial. In: MILLON, T. Teorias da psicologia e persona-
lidade: ensaios e críticas. Rio de Janeiro: Interamericana, 1973.
SOUZA, R. M. de. Escola e juventude: o aprender a aprender. São Paulo: EDUC/Pau-
lus, 2003.

Contatos:
Auryana Maria Archanjo
Nicolau Tadeu Arcaro
E-mail: amarchanjo@yahoo.com.br

Tramitação
Recebido em dezembro/2003
Aceito em maio/2004

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