Professional Documents
Culture Documents
Resumo: O objetivo deste estudo foi verificar aspectos biomecânicos da relação entre a cinemática,
intensidade do exercício e dominância de membros no ciclismo. Foi realizada uma análise
cinemática frontal do joelho de 5 ciclistas, com dominância de membro inferior conhecida
(idade de 22,4 anos, estatura de 1,82 m e massa corporal de 77,5 kg em média), durante um
exercício progressivo máximo de ciclismo (carga inicial de 100 W com incrementos de 50 W a
cada 5 min). Para isso foi utilizado o cicloergômetro ERGOMETRICS 800 e o sistema de
videografia Peak Motus. Os resultados instigam que o aumento na intensidade do exercício
acarreta um aumento no deslocamento médio lateral do joelho, principalmente em intensidade
superior a 71% do VO2máx. Foi observada também uma relação significativa com a
dominância, pois o membro dominante apresentou deslocamento significativamente menor,
sugerindo um melhor controle motor, quando comparado ao membro não dominante. Com
isso, pode-se concluir que a intensidade de exercício influencia o deslocamento do joelho,
podendo acarretar mudanças na efetividade da pedalada, bem como se observam diferenças
entre membro dominante e não dominante.
Abstract: The aim of this study was examine the biomechanics aspects of the relationships among
kinematics, exercise intensity and member dominance in cycling. A frontal kinematics analysis
of knee in 5 cyclists with member dominance well-know (age of 22.4 years-old, height of
1.82 m and body mass of 77.5 kg, average), was accomplished during a maximum progressive
cycling exercise (initial load of 100 W with increments of 50 W to each 5 min). Was used the
cyclergometry ERGOMETRICS 800 and the Peak Motus System. The results instigate to the
increase in the exercise intensity carts an increase in the lateral medium displacement of the
knee, mainly in intensity superior at 71% of VO2max. Also was observed a significant
relationship with the member dominance, because the dominant member presented
displacement significantly smaller, suggesting a better motor control when compared to the
non dominant member. In summary, it can be concluded that the exercise intensity influences
the displacement of the knee in the frontal plane, and this could cart changes in the
effectiveness of the forces applied to pedals, as well differences are observed among
dominant and not dominant member.
Figura 1. Visão geral do teste em andamento com um ciclista do grupo de estudo (média±desvio-padrão).
O consumo máximo de oxigênio (VO2máx), foi Esta análise foi conduzida para ambos os membros
monitorado continuamente a cada expiração, através inferiores, sendo a dominância determinada pelo
do ergoespirômetro VMAX 229 Series (Sensor Medics, conhecimento do membro de chute, conforme propõem
USA), sendo utilizado o valor médio de cada minuto. Ruby, Hull & Hawkins (1992).
A partir do VO2máx foram estipuladas quatro faixas
de intensidade, sendo elas definidas em percentagens ANÁLISE ESTATÍSTICA
relativas ao VO2máx (assumido como 100%). As quatro
faixas de intensidade foram as seguintes: < 50%; 51 a Para o tratamento estatístico dos dados foram
70%; 71 a 90% e > 91%. utilizados os softwares Microsoft Excel 2003 (Microsoft
Corp.) e Statistica 5.1 (Statsoft Inc.). Para a
Avaliação biomecânica comparação do deslocamento médio-lateral entre o
membro dominante e não dominante em cada uma das
Com a finalidade de reconstruir o movimento dos
faixas de intensidade utilizou teste t de Student. Para a
membros inferiores para avaliação cinemática no plano
comparação do deslocamento médio-lateral nos
frontal, no quarto minuto de cada estágio, o movimento
membros dominante e não-dominante entre as quatro
de pedalar foi filmado através do Sistema Peak Motus
faixas de intensidade utilizou-se a análise de variância
(Peak Performance Inc, USA), com uma câmera de
Anova One-way, seguida de post-hoc de Tukey HSD
alta-velocidade (HSC 180) posicionada
quando diferenças estatisticamente significativas eram
perpendicularmente ao plano de movimento avaliado,
observadas.
operando em uma taxa de amostragem de 180 Hz.
A correlação entre as faixas de intensidade e o
Pequenos marcadores reflexivos foram afixados em
deslocamento médio-lateral dos membros inferiores
pontos de referência anatômicos para auxiliar a
(dominante e não dominante) foi verificada através do
obtenção das coordenadas do movimento utilizadas
teste de correlação produto-momento de Pearson. Para
para reconstrução bidimensional e cálculos
todos os procedimentos estatísticos utilizou-se um nível
cinemáticos.
de significância ≤ 0,05.
Os pontos anatômicos de referência utilizados foram
adaptados do protocolo proposto por Gregersen & Hull RESULTADOS E DISCUSSÃO
(2003), sendo representados na figura 02.
Características do grupo de estudo
A tabela 01 apresenta os resultados das variáveis
que caracterizam os ciclistas do grupo de estudo.
Massa
Idade Estatura Treino Tempo de prá
corporal
(anos) (m) km/semana tica (anos)
(kg)
77,5±5,
22,4±3 1,82±0,13 200 ± 43 6±1,2
3
1 2 3 4 5 média Desvio
padrão
VO2máx (ml/kg/min) 62,18 57,93 50,03 73,48 48,60 58,4 9,0
Potência (W) 400 350 350 350 300 350 31,6
Tabela 2. Valores máximos obtidos para os ciclistas avaliados em relação ao consumo máximo de oxigênio e potência
máxima mantida (expressos individualmente e em média e desvio-padrão para o grupo)
% de intensidade
Grupo de
estudo < 50% 51 a 70% 71 a 90% >91%
D ND D ND D ND D ND
1 3,30 2,4 2,4 4,3 3,1 4,4 2,4 5,3
2 2,0 1,7 1,5 1,8 1,45 3,3 2,9 3,2
3 2,15 3,2 2,3 2,7 2,7 3,2 3,25 3,5
4 1,83 1,85 2,15 2,17 Ŧ Ŧ 3,6 5,0
5 2,45 3,1 2,9 4,1 2,2 3,9 2,65 3,05
Média 2,35 2,45 2,25 3,01 2,36 3,7 2,96 4,01
Desvio padrão 0,58 0,69 0,5o 1,13 0,71 0,56 0,48 1,06
Valor p 0,980 0,106 0,009* 0,049*
* teste t: diferença estatisticamente significativa entre os membros dominante e não dominante
(p<0,05)
Ŧ Devido à metodologia utilizada para a divisão das faixas de intensidade, durante o teste progressivo
máximo, o sujeito 4 não apresentou escores referentes às intensidades de 71 a 90%, não sendo
registrados, então, deslocamentos nessa faixa de intensidade.
Tabela 3. Deslocamento médio-lateral do joelho (cm) (D = membro dominante; ND = membro não dominante), média,
desvio-padrão e valor de p obtido pelo teste t para a comparação entre os membros inferiores em cada faixa de
intensidade.
Tabela 4: Comparação entre-membros do deslocamento médio-lateral do joelho entre as quatro faixas de intensidade: p
obtido através de análise de variância Anova.
* Diferença estatisticamente significativa no deslocamento médio lateral entre os membros inferiores (p<0,05
- teste t).
Ŧ Diferença estatisticamente significativa no deslocamento médio lateral entre as faixas de intensidades
(p<0,05 - Anova).
O protocolo utilizado para o teste teve por finalidade neste caso o membro não dominante parece ter um
impor aos ciclistas uma intensidade progressiva de menor controle do movimento o qual pode estar
esforço, que conforme Baker, Kostov, Millet et al relacionado a uma menor resistência muscular de
(1993), Hogan, Ingham & Kurdak (1998) e Sanderson & acordo com o incremento da intensidade.
Black (2003), produzem fadiga neuromuscular,
responsável pela não manutenção do exercício bem CONCLUSÕES
como possibilitar que a análise cinemática da pedalada
não sofresse influência da adaptação muscular ao Com base nos resultados obtidos podemos sugerir
incremento de carga, o que poderia ocorrer com o uso que o aumento na intensidade do exercício acarreta um
de um protocolo com estágios de menor tempo (por maior deslocamento médio-lateral do joelho, bem como
exemplo, os estágios de 1 minuto, comumente que as intensidades próximas do máximo (acima de
utilizados para a determinação do consumo máximo de 71%) exercem maior efeito sobre o deslocamento
oxigênio de ciclistas). médio-lateral do joelho para o membro não dominante.
Com base nos resultados apresentados, percebeu- Embora somente nas intensidade superiores e para o
se que para o membro dominante, o deslocamento membro não dominante o deslocamento médio-lateral
médio-lateral do joelho apresentou uma baixa tenha apresentado alterações estatisticamente
correlação com o aumento da intensidade (r = 0,34), significativas, percebe-se uma tendência de incremento
enquanto que para o membro não dominante, essa do deslocamento médio-lateral de acordo com o
correlação foi alta (r = 0,82). Esta observação corrobora incremento da intensidade.
a proposta de que a resposta ao incremento de Além disso, observou-se que para o grupo de
intensidade por parte do membro dominante possui ciclistas estudado o deslocamento médio-lateral do
uma característica de melhor controle motor, mesmo joelho esteve relacionado à dominância de membros
em situações que induzem a fadiga neuromuscular, em intensidades de média a alta, devido à diferença
instigando que a técnica de pedalada para o membro estatisticamente significativa observada na comparação
dominante possa ser menos afetada negativamente em entre os membros, a qual indicou que o membro
função da intensidade de exercício. dominante foi menos influenciado pela intensidade
Para o membro não dominante, o deslocamento quando comparado ao membro não dominante. Com
médio-lateral do joelho nas intensidades superiores a isso, é provável que alterações na efetividade de cada
71% apresentou valores significativamente maiores um dos membros aconteçam de forma diferenciada,
quando comparados aos observados para as principalmente nas intensidades superiores a 71% da
intensidades inferiores a 71%. Isto induz a uma carga máxima, que são aquelas comumente utilizadas
conclusão divergente à observada para o membro pelos ciclistas durante treinamentos e competições.
dominante, visto que com o incremento da intensidade, São necessários ainda mais estudos, conduzidos
o membro não dominante não teve a característica de sob diferentes metodologias para que afirmações
manter o padrão de movimento. Esse resultado indica a conclusivas possam ser feitas acerca desse tema.
importância e relevância da prática do treinamento Apesar das limitações encontradas, tais como a não
específico da técnica de pedalada em relação à possibilidade de análise tridimensional do movimento e
simetria, proposto também por Carpes (2004). Embora a não mensuração das forças aplicadas nos pedais, os
essas assimetrias não sejam claramente relacionadas a resultados indicam que a dominância de membros é um
perdas no desempenho, estudos têm mostrado que fator relevante na avaliação da técnica de pedalada e,
elas se revelam freqüentes durante a pedalada que se observam relações entre a intensidade e a
(GREGOR, 2000; CARPES, 2004). capacidade de coordenação e controle do movimento
Assim, a primeira hipótese (a) apresentada para durante a pedalada.
este estudo foi parcialmente satisfeita, visto que o
aumento da intensidade do exercício acarretou um REFERÊNCIAS
maior deslocamento médio-lateral do joelho para o
BAKER, A. J.; KOSTOV, K. G.; MILLER, R. G.;
membro não dominante, o que pode ter ocorrido devido
WEINER, M.W. Slow force recovery after long-
ao processo de fadiga muscular, que de acordo com
duration exercise: metabolic and activation factors
Enoka (2000), apresenta efeitos que envolvem tanto
in muscle fatigue. Journal of Applied Physiology.
processos motores quanto sensoriais, como os
74. p.2294–2300. 1993.
envolvidos no processo de controle motor.
Somente em faixas de intensidades superiores a BAUM, B. S. & Li, L. Lower extremity activies during
71% do VO2máx ocorreram diferenças estatisticamente cycling are influenced by load and frequency.
significativas no deslocamento médio-lateral entre os Journal of Electromyography and Kinesiology. 13.
membros dominante e não dominante, quando o p.181-190. 2003.
deslocamento médio-lateral para o membro não
dominante foi maior que o encontrado para o membro CARPES, F.P. Produção de torque no ciclismo: análise
dominante, confirmando a segunda hipótese (b), de que da simetria na pedalada durante 40km de ciclismo
o deslocamento médio-lateral do joelho está simulado. Monografia de Especialização
relacionado à dominância de membros, sendo que
60 Brazilian Journal of Biomechanics, Year 7, n.13, November 2006
F.P.Carpes, M.Rossato, J.O.L.Santos, L.O.C.Portela & C.B.Mota
(Universidade Federal de Santa Maria), Santa RUBY, P.; HULL, M. L. & HAWKINS, D. Three
Maria, RS. 2004. dimensional knee loading during seated cycling.
Journal of Biomechanics. v.25. p. 41-53. 1992.
COYLE, E. F.; COGGAN, A. R.; HOPPER, M. K. &
WALTERS, T. J. Determinants of endurance in SANDERSON. D. & BLACK, A. The effect of prolonged
well-trained cyclists. Journal of Applied Physiology. cycling on pedal forces. Journal of Sports Science.
64. p.2622-2630. 1988. v.21. p.191-199. 2003.
COYLE, E. F.; FELTNER, M. E.; KAUTZ, S. A.;
HAMILTON, M. T.; MOUNTAIN, S. J.; BAYLOR, A.
M.; ABRAHAM, L. D. & PETREK, G. W.
Physiological and biomechanical factors associated
with elite endurance cycling performance. Medicine
and Science in Sports and Exercise. v.23. n.1.
p.93-107. 1991.
ERICSON, M. O. & NISELL, R. Efficiency of pedal
Recebido em: 23/03/2005.
forces during ergometer cycling. International
Aprovado em: 23/11/2005.
Journal of Sports Medicine. 9(2). p.118-122. 1988.
GREGERSEN, C. S. & HULL, M. L. Non-driving
intersegmental knee moments in cycling computed
using a model that includes three-dimensional Endereço para correspondência:
kinematics of the shank/foot and the effect of Universidade Federal de Santa Maria
simplifying assumptions. Journal of Biomechanics. Centro de Educação Física e Desportos - Prédio 51 -
v.36. p.803-813. 2003. sala 1007
Grupo de Estudo e Pesquisa em Ciclismo - GEPEC
GREGOR, R. J. Biomechanics of cycling. In: GERRET,
Faixa de Camobi, km 9
W. E. & KIRKENDAL, D. T. Exercise and Sport
Santa Maria RS
Science. Philadelphia – EUA: Lippincott Williams &
97110-970
Wilkins, 2000.
e-mail: pedal@mail.ufsm.br
GREGOR, R. J.; BROKER, J. P.; RYAN, M. M. The
biomechanics of cycling. Exercise and Sports
Science Reviews. v.19, p.127-161. 1991.
HOGAN, M. C.; INGHAM, E.; KURDAK, S. S.
Contraction duration affects metabolic energy cost
and fatigue in skeletal muscle. American Journal of
Physiology Endocrinology Metabolism. 274,
p.397–402. 1998.
LEPERS, R.; MAFFIULETTI, N. A.; ROCHETTE, L.;
BRUGNIAUX, J. & MILLET, G. Y. Neuromuscular
fatigue during a long-duration cycling exercise.
Journal of Applied Physiology. 92, p.1487-1493.
2002.
LUCIA, A.; HOYOS, J. & CHICHARRO, J. L. Heart rate
and performance parameters in elite cyclists: a
longitudinal study. Medicine and Science in Sports
and Exercise. v.32, n.10. p.1777-1782. 2000.
MILLET, G. Y.; MILLET, G. P.; LATTIER, G.
MAFFIULETTI, N. A. & CANDAU, R. Alterations of
neuromuscular function after a prolonged road
cycling race. International Journal of Sports
Medicine. 24. p.190-194. 2003.
PADILLA, S., I. MUJIKA, J. ORBAÑANOS, and F.
ANGULO. Exercise intensity during competition
time trials in professional road cycling. Medicine
and Science in Sports and Exercise. v.32, n.4,
p.850–856, 2000.