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Georges BATAILHE

O texto de Bataille cobre o erotismo de uma sombra funesta, são as lágrimas de eros. A
melancolia da guerra e a tomada de consciência da morte como horror contaminam o sexo.
Todos são culpados e a transgressão sexual é a prova que os condena. O erótico e o obsceno,
indissociáveis para Bataille, levam o homem a uma forma extrema de conhecimento - a
consciência do “que acontece e do que é” em toda sua violência. Um estado ao mesmo tempo
nauseante e exaltado. O gozo erótico, irmão siamês da morte, deixa que o homem experimente
a um só tempo o excesso do amor e o horror do desregramento. O gozo toma a forma agônica
da escatologia e a porra se mistura às fezes e ao mijo, a todos os cheiros nauseabundos, à lama,
à podridão, às víceras. O gozo não tem prazer, só crispação dos sentidos.
História do Olho é um dos mais belos e mais tristes textos pornográficos. Uma
litania satânica, entoada por dois jovens: o narrador e Simone e triangulada, ora por
Marcela, ora por Sir Edmond, ora por infelizes como o padre Don Aminando ou o
toureiro que cruzam seu caminho. Uma busca exasperada e exasperante de
transgredir todos os limites e de ir além do crime. Busca de uma resposta que se
desloca metonímicamente pelos elementos perfeitos o ovo, o olho e os ovos (os
testículos), mas que apenas faz aumentar a angústia infernal que os consome e os
condena ao vazio: “O final desta história mostrará que essa interrogação não
ficaria sem resposta, e que a resposta tinha a medida do vazio cavado em nós pelas
brincadeiras com os ovos”

BATAILLE, Georges. História do Olho. São Paulo, Escrita, 1981. p. 39.


A atmosfera lúgubre é iluminada, como por relâmpagos (uma
longa passagem do romance se dá em meio a uma tempestade), por
fulgurantes tons vermelhos (ligas, a carne), pela brancura cegante (o
ovo, o leite, a porra), por um sol negro. É belíssima a simetria da cena, o
arranjo das cores, o impacto de um mundo composto: “Finalmente,
Simone deixou sua mão descer ao longo do ventre até o púbis. Marcela
imitou-a e, colocando um pé na beirada da janela, descobriu uma perna
que meias de seda branca cobriam até os pelos louros. Coisa estranha:
ela tinha um cinto branco e meias brancas enquanto a negra Simone,
cuja bunda se apoiava sobre minha mão, tinha um cinto preto e meias
pretas”
Idem, ibidem. p. 32.
A noção do realismo pornográfico em Georges Bataille, assim como a
de Sade, ultrapassa a visão compartilhada por tantos escritores para
aproximar-se daquela dos visionários. O seu mundo só pode ser
pensado por um esforço titânico de superação dos valores humanos,
no sentido nietzscheano da questão, e de renúncia ao ego: “Até
mesmo o pensamento (a reflexão) só se completa em nós no
excesso. O que significa a verdade fora da representação do excesso,
se não enxergamos o que excede à possibilidade de ver, o que é
intolerável ver, tal como no êxtase, é intolerável gozar? O que
significa a verdade se nós não pensamos aquilo que excede a
possibilidade de pensar...?”
Assim como compõe a cena de Simone e Marcela, o artista compõe o mundo da ficção em perfeita
consonância com a idéia de processamento das impressões, das lembranças e da percepção, através do
trabalho das associações e da transfiguração pela linguagem. Fica-se longe aqui da noção de escritor
retratista. O realismo de Bataille é o da transmutação. Leia-se seu comentário, no romance Minha Mãe, a
propósito das fotografias: “Eu imaginava a vida da bela jovem semelhante à fornicação imobilizada, sem
alento e sem repouso, das mulheres das fotografias.”
BATAILLE, Georges. Minha Mãe. São Paulo, Brasiliense, 1985. p. 65.
Embora em agonia, seu texto quer sempre ir além pois a imobilidade das fotos é a imobilidade da
morte. Ao final da História do Olho, o texto “Reminiscências” dá a medida de seu processo de criação
literária: “De um modo geral, não me detenho muito nessas lembranças. Depois de tantos anos, já
perderam o poder de me afetar: o tempo neutralizou-as. Só puderam ganhar vida deformadas,
irreconhecíveis e assumindo, no decorrer de sua transformação, um sentido obsceno.”

BATAILLE, Georges. História do Olho. p. 72.

Assim posto, para Bataille só há um sentido para que se escreva e esse sentido é o obsceno, “sua
tristeza zomba de tudo”, mergulhado na mais profunda onda de melancolia o leitor o acompanha...e treme.

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