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Philippe Ariès
ARIÈS, Philippe. As atitudes diante da morte. In: ______.
História da morte no Ocidente. Tradução: Priscila Viana de
Siqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012. p. 31-101.
“No século XVII, por mais louco que fosse, Dom Quixote não procura fugir da
morte através das quimeras em que havia consumido sua vida. Pelo contrário,
os signos precursores da morte o trazem à razão: ‘Minha sobrinha’, diz muito
sabiamente, ‘sinto-me próximo da morte’.” (p. 34)
“[...] Em seu leito de agonia, numa estação de trem no interior, Tolstoi gemia: ‘E
os mujiques? Como, então, morrem os mujiques?’ Mas os mujiques morriam
como Roland, Tristão, dom Quixote: eles sabiam. Em Les trais morts de Tolstoi,
um velho cocheiro agoniza na cozinha do albergue, junto ao grande fogão de
tijolo. Ele sabe. Quando uma mulher lhe pergunta gentilmente como vai
responde: ‘A morte está presente, eis o que há’.” (p. 35)
ARIÈS, Philippe. As atitudes diante da morte. In: ______.
História da morte no Ocidente. Tradução: Priscila Viana de
Siqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012. p. 31-101.
O mundo dos vivos deveria ser separado do mundo dos mortos, razão pela
qual os cemitérios eram situados fora das cidades.
No século XV, momento de uma sociedade protocapitalista, o amor pela vida passa a
associar a morte à imagem do macabro, do corpo decomposto, à ideia de fracasso.
“Chegamos agora, então, a um momento de nossa análise em que podemos tirar uma
conclusão geral dos primeiros fenômenos observados: o Juízo Final, a última prova das
artes moriendi, o amor pela vida manifesto pelos temas macabros. Durante a segunda
metade da Idade Média, do século XII ao século XV, deu-se uma aproximação entre três
categorias de representações mentais: as da morte, as do reconhecimento por parte de
cada indivíduo de sua própria biografia e as do apego apaixonado às coisas e aos seres
possuídos durante a vida. A morte tornou-se o lugar em que o homem melhor tomou
consciência de si mesmo.” (p. 61)
ARIÈS, Philippe. As atitudes diante da morte. In: ______.
História da morte no Ocidente. Tradução: Priscila Viana de
Siqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012. p. 31-101.
“[...] A partir do século XVIII, o homem das sociedades ocidentais tende a dar à
morte um sentido novo. Exalta-a, dramatiza-a, deseja-a impressionante e
arrebatadora. Mas, ao mesmo tempo, já se ocupa menos de sua própria
morte, e, assim, a morte romântica, retórica, é antes de tudo a morte do outro -
o outro cuja saudade e lembrança inspiram, nos séculos XIX e XX, o novo culto
dos túmulos e dos cemitérios.” (p. 66)
Os testamentos como forma de dizer aos vivos a vontade dos mortos e o seu
processo de laicização a partir do século XVIII.
“Assim, do fim da Idade Média ao século XVIII, o luto possuía uma dupla
finalidade. Por um lado, induzia a família do defunto a manifestar, pelo menos
durante um certo tempo, uma dor que nem sempre experimentava. Esse
período podia ser reduzido ao mínimo por um novo casamento precipitado,
mas nunca era abolido. Por outro lado, o luto tinha também o efeito de
defender o sobrevivente, sinceramente submetido à provação, contra os
excessos da dor, pois impunha-lhe um certo tipo de vida social, as visitas de
parentes, vizinhos e amigos que lhe eram feitas e no decorrer das quais a dor
podia ser liberada sem que sua expressão ultrapassasse, entretanto, um limite
fixado pelas conveniências. [...]” (p. 73)
ARIÈS, Philippe. As atitudes diante da morte. In: ______.
História da morte no Ocidente. Tradução: Priscila Viana de
Siqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012. p. 31-101.
“Assim, a morte pouco a pouco tomava uma outra forma, mais longínqua e,
entretanto, mais dramática e mais tensa – a morte às vezes exaltada (a bela
morte de Lamartine) e logo contestada (a morte ‘feia’ de Madame Bovary).”
(p. 100)