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As atitudes diante da morte

Philippe Ariès
ARIÈS, Philippe. As atitudes diante da morte. In: ______.
História da morte no Ocidente. Tradução: Priscila Viana de
Siqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012. p. 31-101.

 Philippe Ariès e a história das mentalidades, parte dos debates


desdobrados da “terceira geração” da história dos Annales.

 A proposta de uma história de longa duração, que abordasse


continuidades presentes desde a Idade Média.

 A morte como objeto de estudos da história.

 Os desdobramentos dos estudos de Philippe Ariès na historiografia


brasileira.
ARIÈS, Philippe. As atitudes diante da morte. In: ______.
História da morte no Ocidente. Tradução: Priscila Viana de
Siqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012. p. 31-101.

 As atitudes diante da morte passam, por vezes, despercebidas ao longo


do tempo, cabendo analisá-las ao longo de um grande período, como
forma de observar as permanências e transformações.

 Uma análise, ao mesmo tempo, sincrônica e diacrônica das atitudes


diante da morte, que se estendem desde o século XII, no que chamamos
de Idade Média, até meados do século XIX.

 A morte domada: na Idade Média, cavaleiros, heróis, monges e diversos


sujeitos enxergavam-se diante da morte nos seus últimos segundos e
entregavam a sua alma a Deus.
ARIÈS, Philippe. As atitudes diante da morte. In: ______.
História da morte no Ocidente. Tradução: Priscila Viana de
Siqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012. p. 31-101.

 “[..] Em 1491, ou seja, em pleno Renascimento humanista – que se tem o


mau hábito de opor à Idade Média, em todo caso, em um mundo
urbanizado e bem distante daquele de Roland ou de Tristão –, uma
juvencula, uma moça muito jovem, bonita, coquete, amante da vida e
dos prazeres é acometida pela doença. Irá ela, com a cumplicidade dos
que a rodeiam, apegar-se à vida desempenhando um papel, fingindo
que não se dá conta da gravidade de seu estado? Não. Revolta-se,
Contudo, essa revolta não toma a forma de uma recusa da morte. Cum
cerneret: a infelix juvencula, de proxima situ ituminete mortem. Cum
cemeret: a infeliz donzela viu a morte próxima e, desesperada, entrega
sua alma ao diabo. [...]” (p. 33)
ARIÈS, Philippe. As atitudes diante da morte. In: ______.
História da morte no Ocidente. Tradução: Priscila Viana de
Siqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012. p. 31-101.

 “No século XVII, por mais louco que fosse, Dom Quixote não procura fugir da
morte através das quimeras em que havia consumido sua vida. Pelo contrário,
os signos precursores da morte o trazem à razão: ‘Minha sobrinha’, diz muito
sabiamente, ‘sinto-me próximo da morte’.” (p. 34)

 “Saint-Simon diz a respeito de Madame de Montespan ter ela medo da morte.


Tinha principalmente medo de não ser avisada a tempo e também –
voltaremos a este ponto posteriormente - de morrer só. [...]” (p. 34)

 “[...] Em seu leito de agonia, numa estação de trem no interior, Tolstoi gemia: ‘E
os mujiques? Como, então, morrem os mujiques?’ Mas os mujiques morriam
como Roland, Tristão, dom Quixote: eles sabiam. Em Les trais morts de Tolstoi,
um velho cocheiro agoniza na cozinha do albergue, junto ao grande fogão de
tijolo. Ele sabe. Quando uma mulher lhe pergunta gentilmente como vai
responde: ‘A morte está presente, eis o que há’.” (p. 35)
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História da morte no Ocidente. Tradução: Priscila Viana de
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 “Seria impossível expressar-se de forma mais correta. Assim semorreu


durante séculos ou milênios. Em um mundo sujeito à mudança, a atitude
tradicional diante da morte aparece como uma massa de inércia e
continuidade. A antiga atitude segundo a qual a morte é ao mesmo
tempo familiar e próxima, por um lado, e atenuada e indiferente, por
outro, opõe-se acentuadamente à nossa, segundo a qual a morte
amedronta a ponto de não mais ousarmos dizer seu nome. Por isso
chamarei aqui esta morte familiar de morte domada. Não quero dizer com
isso que anteriormente a morte tenha sido selvagem, e que tenha deixado
de sê-lo. Pelo contrário, quero dizer que hoje ela se tornou selvagem.” (p.
40)
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 A coexistência dos vivos com os mortos: desconhecido da Antiguidade pagã,


e mesmo cristã, é totalmente estranha para o mundo ocidental desde o fim do
século XVIII.

 Apesar da sua familiaridade com a morte, os antigos temiam a proximidade


dos mortos e os mantinham à distância.

 O mundo dos vivos deveria ser separado do mundo dos mortos, razão pela
qual os cemitérios eram situados fora das cidades.

 O desejo de enterramento dos mortos nas Igrejas, próximos de Deus, e o


crescimento das cidades, apartam a distância entre os mortos e os vivos.
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 “O espetáculo dos mortos, cujos ossos afloravam à superfície dos


cemitérios, como o crânio de Hamlet, não impressionava mais os vivos que
a ideia de sua própria morte. Estavam tão familiarizados com os mortos
quanto com sua própria morte.” (p. 49)

 A vulgarização da morte não foi interrompida e nem apagada, mas


parcialmente alterada durante a segunda fase da Idade Média, ou seja, a
partir dos séculos XI e XII.

 Dentro do contexto estudado, a familiaridade tradicional com a morte


indicavam uma aceitação da ordem da natureza, ao mesmo tempo
ingênua na vida cotidiana e sábia nas especulações astrológicas.
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História da morte no Ocidente. Tradução: Priscila Viana de
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 “Com a morte, o homem se sujeitava a uma das grandes leis da espécie e


não cogitava em evitá-Ia, nem em exaltá-Ia. Simplesmente a aceitava,
apenas com a solenidade necessária para marcar a importância das
grandes etapas que cada vida devia sempre transpor.” (p. 50)

 A imagem do Juízo Final é alterada ao longo do tempo, sendo vista como


a glória de Cristo que advém no Apocalipse, fazendo ressurgir os mortos
que entregaram sua vida à Igreja, em meados do século VII, até a ideia
do julgamento dos bons e dos maus no século XII, passando à imagem do
julgamento que contaria com a intercessão da Virgem Maria e de São
João no século XIII.
ARIÈS, Philippe. As atitudes diante da morte. In: ______.
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 Na iconografia dos séculos XV e XVI há uma percepção da supressão do tempo entre a


morte e o Juízo Final.

 No século XV, momento de uma sociedade protocapitalista, o amor pela vida passa a
associar a morte à imagem do macabro, do corpo decomposto, à ideia de fracasso.

 “Chegamos agora, então, a um momento de nossa análise em que podemos tirar uma
conclusão geral dos primeiros fenômenos observados: o Juízo Final, a última prova das
artes moriendi, o amor pela vida manifesto pelos temas macabros. Durante a segunda
metade da Idade Média, do século XII ao século XV, deu-se uma aproximação entre três
categorias de representações mentais: as da morte, as do reconhecimento por parte de
cada indivíduo de sua própria biografia e as do apego apaixonado às coisas e aos seres
possuídos durante a vida. A morte tornou-se o lugar em que o homem melhor tomou
consciência de si mesmo.” (p. 61)
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 Nos séculos XVI, XVII e XVIII se dá o processo de individualização das sepulturas,


como forma de preservação da lembrança dos mortos.

 “[...] A partir do século XVIII, o homem das sociedades ocidentais tende a dar à
morte um sentido novo. Exalta-a, dramatiza-a, deseja-a impressionante e
arrebatadora. Mas, ao mesmo tempo, já se ocupa menos de sua própria
morte, e, assim, a morte romântica, retórica, é antes de tudo a morte do outro -
o outro cuja saudade e lembrança inspiram, nos séculos XIX e XX, o novo culto
dos túmulos e dos cemitérios.” (p. 66)

 “Como o ato sexual, a morte é, a partir de então, cada vez mais


acentuadamente considerada como uma transgressão que arrebata o
homem de sua vida quotidiana, de sua sociedade racional, de seu trabalho
monótono, para submetê-Io a um paroxismo e lançá-Io, então, em um mundo
irracional, violento e cruel. [...]” (p. 67)
ARIÈS, Philippe. As atitudes diante da morte. In: ______.
História da morte no Ocidente. Tradução: Priscila Viana de
Siqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012. p. 31-101.

 Os testamentos como forma de dizer aos vivos a vontade dos mortos e o seu
processo de laicização a partir do século XVIII.

 “Assim, do fim da Idade Média ao século XVIII, o luto possuía uma dupla
finalidade. Por um lado, induzia a família do defunto a manifestar, pelo menos
durante um certo tempo, uma dor que nem sempre experimentava. Esse
período podia ser reduzido ao mínimo por um novo casamento precipitado,
mas nunca era abolido. Por outro lado, o luto tinha também o efeito de
defender o sobrevivente, sinceramente submetido à provação, contra os
excessos da dor, pois impunha-lhe um certo tipo de vida social, as visitas de
parentes, vizinhos e amigos que lhe eram feitas e no decorrer das quais a dor
podia ser liberada sem que sua expressão ultrapassasse, entretanto, um limite
fixado pelas conveniências. [...]” (p. 73)
ARIÈS, Philippe. As atitudes diante da morte. In: ______.
História da morte no Ocidente. Tradução: Priscila Viana de
Siqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012. p. 31-101.

 “Assim, a morte pouco a pouco tomava uma outra forma, mais longínqua e,
entretanto, mais dramática e mais tensa – a morte às vezes exaltada (a bela
morte de Lamartine) e logo contestada (a morte ‘feia’ de Madame Bovary).”
(p. 100)

 No século XIX, a morte parecia presente em toda parte: cortejos de enterros,


roupas de luto, extensão dos cemitérios e sua superfície, visitas e peregrinações
aos túmulos e culto da memória. Mas será que esta pompa não ocultava o
relaxamento das antigas familiaridades, as únicas a realmente possuírem
raízes? Em todo caso, esse eloquente cenário da morte oscilou em nossa
época, tendo a morte se tornado a inomináuel. Tudo se passa como se nem
eu nem os que me são caros não fôssemos mais mortais. Tecnicamente,
admitimos que podemos morrer, fazemos seguros de vida para preservar os
nossos da miséria. Mas, realmente, no fundo de nós mesmos, sentimo-nos não
mortais.” (p. 100)

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